“Uma marina urbana”

Depois de anos de avanços e recuos, a Marina do Parque das Nações está finalmente reabilitada. O projecto de engenharia que mereceu o aval do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) poderá vir a tornar-se uma referência para todas as estruturas do mesmo género no estuário do Tejo. Paulo Andrade, da Associação Naútica da Marina do Parque das Nações (ANMPN), e Vilar Filipe, da Parque Expo, falam do projecto, do caminho que percorreram até aqui e do entusiasmo com que encaram o futuro. Por: Inês Lopes

Houve algum momento chave de viragem em todo este processo em que se voltou a trabalhar para a reabertura ou todos os momentos foram importantes? Foi um processo com várias etapas?
Vilar Filipe – O momento desbloqueador foi quando a Parque Expo comprou a concessão. Ao reapossar-se da concessão criaram-se condições completamente diferentes de fazer o investimento que estava bloqueado anteriormente. Depois, há momentos talvez mais significativos, mas não tão chave, como quando se decide o que se vai fazer. Numa fase inicial havia algumas dúvidas de qual era o processo de recuperação que se ia iniciar. Chegar aí foi importante porque foi empur-rar todas as outras soluções como não sendo tão boas como esta. Esta optimização da solução foi um ponto importante.

Paulo Andrade – Passámos de uma fase de algum descrédito para voltarmos a acreditar. Em Agosto de 2003, quando transitou em julgado a decisão de recuperação da Sociedade Marina do Parque das Nações, voltámos a acreditar. Saímos do imbróglio jurídico e tínhamos uma nova concessionária. Entretanto chegou-se à conclusão de que a solução não passava só por dragar, mas por uma solução de engenharia mais complexa. Houve algum receio que voltasse tudo à estaca zero, já que, na altura, apareceu como alternativa a possibilidade de construir uns edifícios na Bacia Norte, para tentar compensar o esforço de engenharia devido à complexidade da solução ser maior que a esperada. Depois, aparece o momento chave quando, para resolver esta situação de alguma conflitualidade entre os accionistas, a Parque Expo decide comprar o capital e adjudicar a solução que tinha sido estudada.

Depois de ultrapassadas as dificuldades, finalmente havia um projecto. Qual foi a vossa apreciação?
PA – Neste momento há uma sintonia perfeita, mas nem sempre foi assim. As pessoas sabem disso e não vale a pena escamotear. Independentemente de questões de natureza institucional houve sempre um debate técnico entre dois engenheiros. Uma discussão das soluções, das várias soluções, porque esta foi considerada a mais adequada, mas houve outras. Este intercâmbio durante estes anos permitiu ficar bastante confortável com a solução escolhida porque tenho a certeza de que é a mais adequada para esta zona do estuário. Esta Marina e o estudo que aqui foi feito vão ser, de certeza, uma referência para outras infra-estruturas do género no grande estuário.

VF – Várias entidades internacionais têm seguido com algum interesse esta solução. Em Outubro vai haver uma reunião internacional na qual vai ser apresentado o projecto técnico indo ao encontro do tal interesse que há por trás.

Qual é então a grande inovação do projecto?
VF – O problema do assoreamento era só uma das componentes. As outras eram a agitação e a corrente. A solução técnica tinha que contemplar todos estes aspectos. A zona de estacionamento da marina vai ficar completamente confinada. Depois tem comportas com um regime de abertura que permite a navegação normal das embarcações, mas também permite que, naqueles dias de grande carga do rio, as possamos fechar sem interferir na navegação. E, em terceiro lugar, o anteporto, cuja função é receber as embarcações que não se destinem a estacionamento, fazer com que as que cheguem quando as comportas estejam fechadas possam aqui ser instaladas e, no caso de as pessoas quererem sair antes das comportas abrirem, poderem pôr o barco cá fora e depois irem à sua viagem à hora a que pretenderem.

A obra estava orçamentada em 10M€?
VF – A parte marítima da questão sim.

E o prazo de dezoito meses vai ser cumprido?
VF – Cumpre-se…cumpre-se. Os 10M€ eram só para a obra marítima e vai ficar abaixo desse valor. A obra toda, da reconstituição da marina, passa por muitos outros aspectos, um edifício que há que recuperar, um edifício que há que construir, um edifício que há que modificar…

Qual é o edifício que vai ser recuperado?
VF – É o Edifício Nau. O orçamento da globalidade de todas estas intervenções não tem só a ver com o porto de recreio, mas com a concessão toda e isso é bem mais. Somos capazes de fa-lhar os dezoito meses por duas ou três semanas. Sendo uma obra marítima, tem muitos imponderáveis, portanto o atraso de duas ou três semanas é perfeitamente plausível nesta operação. Uma das razões pelas quais acontece o atraso, a que teve maior impacto, foi termos encontrado uma zona que foi mais difícil dragar. A dragagem demorou mais tempo do que estávamos a imaginar e fez com que houvesse este pequeno atraso.

No futuro, como é que antevê a gestão deste espaço?
VF – A gestão deste espaço tem duas ou três vertentes. Primeiro, permitir que Lisboa tenha maior acesso ao estuário do Tejo. Nós seremos essa porta. Vamos fomentar o gosto e a prática da náutica. Escolas de náutica, de remo, de actividades náuticas… teremos todo o gosto em que partam daqui para essas actividades. Por outro lado, o Tejo tem um conjunto enorme de interesses que não estão, nem pouco mais ou menos vislumbrados, quanto mais divulgados. Aqui será essa porta. As outras marinas têm uma grande preocupação com os visitantes, com as embarcações que passam na nossa costa, nós temos outra vertente. É claro que nos interessam os visitantes, mas também nos interessam os lisboetas. Que as pessoas da área metropolitana de Lisboa conheçam o Tejo. É um pouco arrepiante olhar para este estuário e não ver uma embarcação. Há muitas razões para isto, uma delas é não haver infra-estruturas, ora esse é o papel da marina.

Uma das críticas a esta marina é que está muito longe do mar. Que potencial apresenta para a prática de actividades náuticas?
PA – Essa crítica não faz muito sentido. Mesmo as pessoas que dizem que a Marina está distante do mar acabam por utilizar muito mais o plano de água do rio, que é sempre calmo e que se pode navegar durante todo o ano. Desde há dois anos a esta parte, existe um grande alinhamento entre a ANMPN e a Sociedade Marina do PN, no sentido de promover os destinos náuticos a partir da Marina do PN. Existem locais paradisíacos, mas há falta de infra-estruturas. A partir do momento em que as pessoas percebam que existe um conjunto de destinos organizados, que têm regulamento de utilização e um conjunto de atractividades, remo, visitas a locais próximos, gastronomia, começarão a despertar para a náutica. Hoje é muito difícil por causa desta ausência de infra-estruturas e das poucas que existem estarem a funcionar sem regulamento associado.

É uma missão complexa e ambiciosa. A Associação e a Marina estão em sintonia ou vai ser criada uma nova estrutura?
PA – A Marina já deu um primeiro passo: um acordo com a Marina de Oeiras para que haja intercâmbio. Serão cerca de 10 posições, para que nós ao fim-de-semana possamos ir para lá e as pessoas da marina de Oeiras possam vir para aqui, sem pagar por isso. Esta visão tem a ver com pôr as pessoas a navegar. Não se percebe como é que com dias excepcionais para navegar, os barcos continuem nas marinas. Há pouca tradição do cruzeirismo do rio. Este primeiro acordo pode ser extravasado para outras marinas e, de alguma forma, fazer com que cada vez mais existam entusiastas a querer navegar o rio. Lisboa é muito mais bonita vista do rio que de terra. As pessoas, muitas vezes, não fazem ideia. Mesmo aqui no PN, durante o dia, há sempre alturas em que a água está perfeitamente calma, em que toda a infra-estrutura urbana fica reflectida no rio e dá imagens espectaculares. Esta será fundamentalmente uma marina urbana, e uma marina urbana é para as pessoas que vivem aqui à volta, é para aquele sonho de criança de ter o barco no quintal.

EF – Para ter o estatuto de marina internacional, 15% dos lugares têm que ser para visitantes e isso será mantido aqui. Mas o que interessa são os que cá ficam, os que cá estão. Uma das primeiras preocupações é encontrar um sítio em que as pessoas possam confraternizar, contar as suas aventuras, divulgar os seus projectos, etc. … um clube náutico que está previsto ser feito em cima da ponte de cais. Mas vamos mais longe e, no site da marina, existirá uma comunidade dos residentes que terão ali um chat room.

Já há data prevista para a inauguração? Vai ser um dia de festa?
VF – Vamos fazer uma abertura da Marina por fases, o complexo vai abrir por fases. Há coisas que estarão prontas, no fim de Julho, e, até lá, faremos as experiências com os barcos para verificar se as condições técnicas são adequadas, se a sinalização funciona correctamente, tudo aquilo que é de pôr a funcionar. A partir de quinze de Agosto, temos uma manifestação que é já o início da actividade normal da Marina. Este se-nhor será com certeza um dos primeiros barcos a entrar… merece por toda a actividade desenvolvida…
PA – Sobre ser o primeiro barco a entrar é evidente também que não deixaria que fosse outro (risos)…Às vezes perguntam-me se, ao fim de 5 anos, a satisfação é grande, é evidente que é… Eu até costumo dizer que as vitórias sofridas têm sempre um sabor muito maior.

Depois de tantos anos ainda fica comovido quando fala da marina?
PA – De facto vai ser um dia com alguma comoção porque é um sonho. Eu nasci numa ilha, nasci a ver o mar. Quando cá cheguei, em 85, e vim morar para Lisboa, decidi que tinha de arranjar um sítio com vista para o mar. Entretanto, descobri que havia um mar que era o mar da palha, e o mar da palha fica pertinho do aeroporto que é onde trabalho. Depois faltava só ter um barco no quintal. Quando apareceu a Expo’98 com a marina, o sonho concretizou-se. Teve um intervalozito de 2001 até agora, mas isto em termos de sonho não é nada. É deitarmo-nos num dia e acordarmos no outro… Eu estou a acordar novamente de um sonho.

Onde é que acham que está o segredo de terem “levado este barco a bom porto”?
PA – A primeira coisa para que se estabeleça uma relação é confiar, confiar nas pessoas, e para podermos confiar temos que nos abrir, não é? Durante cerca de 2 ou 3 anos, quando as relações a nível das duas instituições que representamos não eram as melhores, a relação que eu tive com o engenheiro Vilar Filipe e dele para comigo foi sempre exemplar. A pouco e pouco, começámos a ganhar confiança e começámos a construir aquilo que podia ser o futuro, partilhando opiniões, discutindo… A confiança foi-se cimentando e a partir daí o sucesso da marina só poderia acontecer se estas duas entidades estivessem a trabalhar em conjunto. A confiança já existia, foi só continuar a trabalhar, mais nada!
VF – É isso. Para além das pessoas, são objectivos comuns. As pessoas obviamente são muito importantes, mas os objectivos é que são comuns portanto não há razão nenhuma para não haver sintonia.

 

Marina reabre com embarcações tradicionais
A ANMPN pretende trazer cerca de cinquenta embarcações tradicionais do Tejo para comemorar a reabertura da Marina do Parque das Nações. Paulo Andrade propõe que o evento se realize a 15 de Agosto, dia em que todos os anos se celebra a Regata do Atlântico Azul. Esta iniciativa surge na sequência da participação da Associação num projecto de dinamização do património fluvio-marítimo que inclui as embarcações tradicionais do Tejo. Desde há alguns anos que a Associação desenvolve uma estreita colaboração com a Marina do Tejo, ajudando a promover os seus eventos. Esta será a retribuição desse trabalho.
Os associados, com as suas embarcações, em hora a precisar, mas que será cerca das 09:30 do dia 15 de Agosto, poderão deslocar-se para o Mar da Palha em frente ao canal do Montijo e acompanhar a Regata do Atlântico Azul até à marina.
Depois de concluída a Regata, haverá um almoço (tipo churrasco) para as tripulações das embarcações da Marinha do Tejo e das embarcações dos Associados da ANMPN, que será oferecido pela Concessionária MPN.
As tripulações das embarcações da Marinha do Tejo pernoitarão na marina de Sábado para Domingo, regressando aos seus locais de origem durante o dia de Domingo. Espera-se que, uma parte significativa das tripulações das embarca-ções dos associados da ANMPN, pernoitem também na marina, associando-se assim à festa de confraternização da reabertura da marina.
O presidente da Associação prevê “uma festa muito grande”.

Tejo desconhecido

“A parte mais deslumbrante do Tejo para mim é entre Vila Franca e Valada”. É assim que Vilar Filipe responde quando se lhe pergunta o que mais o impressionou nas viagens que efectuou ao longo do rio. Aliás, Valada do Ribatejo parece ficar na memória de quem por lá passa a bordo de um barco. Também Paulo Andrade não lhe ficou indiferente e diz que pernoitar por lá é uma experiência única, de um sossego absoluto interrompido apenas pelas badaladas do sino da igreja de meia em meia hora. Ouvir o presidente da ANMPN descrever as suas viagens pelo Tejo é equivalente a ser transportado para uma realidade desconhecida para a maioria, de aldeias palafíticas, mouchões, cavalos e aves em estado selvagem. Mas há mais, há o rio que “está constantemente a mudar de cor, por vezes o azul do céu domina e o rio é azul, mas depois volta a ser
verde e volta a ser azul”. Não se esquece de alertar para que “a melhor forma de preservar tudo isto é conhecer”. Defende que os “órgãos de turismo local” deveriam reconhecer que “a existência de um pontão organizado, com uma teia de amarração para as embarcações” poderá vir a ser “um factor estruturante na dinamização do turismo naquelas zonas”. Para os dois responsáveis, navegar nas águas calmas do Tejo, em zonas em que o rio ainda se apresenta em estado selvagem, é uma experiência única que vale a pena não perder.