“Uma coisa sexy”

A chuva apagava o pouco de luz que restava por cima do Oceanário. Vinte minutos para começar. Um tango de ansiedade e excitação brilhava sobre a testa de Ken. Depois de me fazer o ponto de situação faz uma pausa. Percorre o olhar pela sala, ainda vazia, e diz-me “se tivermos as pessoas e a energia certa poderá vir a ser uma coisa muito sexy…” termina virando costas para sair mais uma vez para o exterior, não fazendo ideia de que deixa comigo a frase mote que viria a ser o meu próximo editorial. Este.
Ken Nunes, da Tirone Nunes, da construção sustentável, autor de projectos no PN, vizinho, mentor e organizador do ciclo de conferências Human Habitat a decorrer no Oceanário e que conta, também, com o apoio da Parque Expo.
O primeira encontro estreou este ciclo da melhor forma (pág. 10). O orador convidado foi Karl-Henrik, reconhecido médico investigador oncológico que decidiu dedicar a sua missão ao estudo do desenvolvimento sustentável. Ken até podia ter razões para estar nervoso. A chuva não estava nos planos e a hora de ponta podia fazer sombra sobre a plateia. Ainda por cima, uma conferência gratuita, com pré-inscritos. Apesar da lotação ter esgotado logo na primeira semana, o risco de desistências é sempre maior. “Quando se paga, o risco de desistência é muito menor”, disse.
Mas Ken não tinha com que se preocupar. A sala encheu. A plateia estava com toda a atenção e energia necessárias. Bastaram poucos minutos da prosa de Karl para nos rendermos às suas palavras. E de repente, naquela sala aconteceu algo.  Foi como uma bolha à parte da vertiginosa e rápida velocidade dos tempos e de todas as incertezas que andam à boleia dele. Principalmente em temas como a sustentabilidade. Se poucas são as certezas em relação à economia e outros temas tão universais e antigos, menos ainda são sobre este tema tão recente. Uns disparam para um lado e uns para outro. Diz-se uma coisa, mas depois descobre-se outra. Falta-nos clareza. E ali, durante um par de horas, conseguiu-se parar, de facto, o tempo. Karl conseguiu pegar num tema, pará-lo e desmontá-lo. E depois perceber como e porquê chegamos lá. Chegar a uma conclusão. O problema é que hoje só nos dão as conclusões. Mas o mais importante é todo o percurso que nos leva até lá. Isso é que é importante perceber. Não nos interessa ter o resultado de uma equação se não percebermos como chegamos lá. Claro que é importante termos os resultados. Saber o que podemos ou não fazer. Mas é mais importante percebermos como chegamos lá. E isso leva o seu tempo. Um tempo que é importante. É a diferença entre um arroz de polvo de microondas ou de bico de fogão. Seja neste tema como noutro. Não convém queimarmos ou ignorar etapas. E essa é a alma do seu projecto, do seu método e da sua extraordinária oratória. Foi como misturar racionalidade com emoção. Matemática com eloquência.
E só assim conseguimos um mergulho de profundidade e não de chapa, como é mais frequente. Confesso que a expressão usada por Ken apanhou-me de surpresa. Eu sei que vou ser julgado pelos mais eruditos defensores da palavra, que provavelmente estarão a pensar na sua origem. Mas rapidamente o percebi. Foi mais um momento de luxo do nosso Parque. Final de tarde, com vista da chuva sobre o rio. Num equipamento tão simbólico como o Oceanário, várias gerações a debaterem um dos temas mais importantes do novo século. Algo novo. Longe da futilidade de muitos debates da actualidade. À nossa frente uma das 100 pessoas mais visionárias do século XX.
O Parque tem destas pedras preciosas. E isso é muito “sexy”.

Miguel F.  Meneses