«São Pais bastante atentos»

Artur Pastor é o director da Escola Básica Integrada 1,2,3/JI Vasco da Gama, onde começou a leccionar em 2002. Antes passou por várias escolas de Lisboa, Odemira e pelo Barreiro, realidades bem diferentes da que veio encontrar na única escola pública do Parque das Nações (PN). Apesar de aqui ter chegado apenas em 1999, a Vasco da Gama traz consigo uma longa história que remonta à década de setenta. Durante os anos que leva de existência mudou o espaço
físico, mas também mudaram os alunos. Uma viagem à Vasco da Gama pelos olhos do seu director.
Por: Inês Lopes

Antes de chegar ao PN a escola Vasco da Gama já funcionava na Portela, em instalações provisórias. Como foi encarada a mudança?
Funcionava naquelas instalações provisórias que depois se tornam definitivas. Deu-se a oportunidade de fazer a escola aqui e veio tudo em massa, o corpo docente, os alunos e os funcionários. De tal modo que esta escola, numa primeira fase, é ainda uma escola mista em termos de pessoas, com muita gente da Portela e de Moscavide. Em 99 vieram os 2º e 3º ciclos para uma escola completamente diferente da anterior. Há muita gente que diz que quando veio para aqui se perdeu o espírito da outra escola.

Perdeu-se o espírito?
Quem é da altura diz que sim. Em instalações improvisadas é outra coisa.

Houve uma história que ficou lá?
Há uma história que fica lá, e depois há outro tipo de pessoas, de alunos. É como quem entra numa casa nova, ao princípio não se conhece bem os cantos à casa.

Mas supostamente vieram encontrar umas instalações melhores?
Vieram encontrar umas instalações óptimas, mas também uma tipologia de escola completamente distinta. Passou a ser uma escola desde o pré-escolar, com 1º, 2º e 3º ciclos. Acho que foi a primeira escola integrada do pré-escolar ao 3ºciclo. E isso faz com que o corpo docente seja diferente assim como o tipo de aproximação dos mais pequeninos com os maiores.

Houve problemas a esse nível?
Não. De modo algum, daquilo que oiço não. Na altura foi muito bom porque ainda era possível ter três turmas no pré-escolar, com idades distintas, o que permitia uma sequencialidade, quer dentro do pré-escolar, quer na transição para o primeiro ciclo.

Quando chegaram já tinham mais alunos do que a capacidade prevista?
Não. Mas o 1º ciclo teve logo que funcionar em regime duplo. Começou a haver muitas dificuldades com o pré-escolar porque as pessoas daqui eram cada vez mais. A prioridade eram os moradores e mais tarde os trabalhadores em pé de igualdade. Numa primeira fase tenho noção de que houve alguma dificuldade por causa das dicotomias entre gente com muitos recursos do Parque das Nações e os oriundos de Moscavide com um ambiente socioeconómico bastante diferente. Acho sempre muito bom existirem misturas, considero extremamente importante e continuam a existir algumas, mas muito poucas. De uma forma geral a escola sempre teve uma boa integração. Depois foi crescendo. A escola foi programada para quinhentos alunos e neste momento tem 707, fruto também de ter alunos de manhã e de tarde no 1º ciclo. No pré-escolar a prioridade passou a ser os alunos de cinco anos porque são os que integrarão no próximo ano o 1º ciclo. A prioridade é dada a esses, para que eles tenham, pelo menos, um ano de passagem no pré-escolar. Nem todos os de cinco anos entram. São três turmas de cinco anos e duas turmas do 1º ano, logo aqui há alguém que fica pelo caminho. As regras do jogo estão sempre a mudar, quase todos os anos a tutela introduz alterações.

Quais são as prioridades?
Muitas vezes são os irmãos, outras são os que estavam no pré-escolar e que era o que fazia alguma lógica.

É a escola que define essas prioridades?
De modo algum. Esta escola não pode falhar um milímetro em termos de legislação. As baterias estão todas apontadas, estamos num meio em que as pessoas estão extremamente bem informadas. Aqui não pode haver uma falha. Todos os anos há providências cautelares. Até agora nunca ninguém ganhou. Por exemplo, no ano passado, segundo a legislação, as inscrições terminavam no final de Maio e a prioridade eram os alunos do pré-escolar que transitariam para o primeiro ano, mas a 4 de Junho, já depois das inscrições estarem fechadas, sai uma nova legislação em que a prioridade são os irmãos, muita gente acabou por sair. Todos os anos há confusões.

O tipo de alunos modificou-se muito desde o início?
Modificou-se um pouco.

Actualmente são mais moradores?
Praticamente são só moradores e que, por vezes, também são trabalhadores na área, mas também há bastantes que são só trabalhadores.

Dão prioridade aos moradores?
Os moradores e trabalhadores estão em pé de igualdade. Há sempre uma grande discussão em relação a isso.

E como é que caracteriza o tipo de alunos que frequenta a escola?
Geralmente são de classe média-alta, que residem aqui, com um background social e cultural bastante bom, o que facilita em termos de rendimento escolar porque têm um bom suporte em casa.

Só tem vantagens?
De modo algum. As vantagens que considero são o facto de serem pais e encarregados de educação bastante atentos, estão presentes e preocupam-se. Tentam solucionar aquilo que está mal. Estão sempre muito informados, mas por vezes tratam a escola como se fosse um colégio.

Há essa tentação?
Muitas vezes há. Exigem como se fosse um colégio, mas ali não pagam. É um serviço público. Os alunos de modo geral são bem-educados, não dão grandes problemas disciplinares.

E desvantagens?
O professor tem algo para transmitir que é a matéria e o aluno não está desperto para muito mais. O resto capta na televisão, no cinema, no que quer que seja. E ao mesmo tempo que os pais são muito atentos, também sinto que há muitas famílias desestruturadas. É um meio, em princípio, em que há muita facilidade em ter independência económica. Mas o pai chega a casa às sete, oito, nove da noite e mal vê os filhos. Depois as compensações acabam por ser mais monetárias. Não há tempo. Muitos são pais divorciados.

De que forma os alunos encaram o professor? Houve uma alteração do papel do professor na sociedade?
Sim, isso é evidente e cruza-se com muita coisa. Cruza-se com a disciplina. O professor já não é a mesma figura. Tem que educar, ensinar e tomar conta, porque muitas vezes os alunos entram na escola de manhã e saem já bem tarde. Para alguns pais o professor é que não sabe educar, se se porta mal a culpa é do professor. Não se vai à génese ver o que é que se passa em casa. O que sinto é que quando há mais problemas disciplinares com os alunos, são casos em que os pais impõem menos regras. Porque têm menos tempo para as impor, porque há pouco tempo para dar atenção e isso não cria estabilidade.

Os alunos têm menos a noção dos limites?
Muito menos e aqui ainda se nota mais. Quando eu digo aqui, é num meio socialmente favorecido. Há muito a sensação de que “eu posso”, “o meu pai vem cá”, “o meu pai queixa-se”…Nós sabemos que se sentem rescaldados e depois é difícil explicar aos pais qual é o papel da escola, qual é o papel deles, que as coisas devem ser separadas. Às vezes há demasiada ingerência.

Qual é o papel dos pais nas actividades e projectos desenvolvidos pela escola? Estão presentes?
Infelizmente pouco, mas queixam-se imenso que não há! Há uns anos atrás propus uma actividade ao sábado que era o “Não cave para fora, cave cá dentro” que decorria na nossa horta…tivemos a participação de dois ou três pais! Estão mais presentes quando há uma sardinhada ou uma festa. Alguns gostam de participar.

E os alunos?
Não tanto. Vai-se perdendo. No pré-escolar e no 1º ciclo é sempre uma festa, actividades é com eles. À medida que vão crescendo vão perdendo algum interesse.

O facto da escola estar sobrelotada influencia na organização de actividades? Têm pouco espaço?
Sim, queremos fazer uma sala de estudo e ateliês e não temos espaço. Temos óptimas condições, mas depois não temos espaço.

As novas escolas que estão projectadas para o Parque das Nações vêm colmatar insuficiências que sentem actualmente?
Bastante, porque é uma dor de cabeça todos os anos. Só no pré-escolar ficam cerca de trezentos alunos de fora. A nossa ideia é que a escola volte ao turno único no primeiro ciclo, é fundamental. Na mesma sala temos de manhã uns alunos e à tarde outros, depois num espaço que é mínimo temos as actividades de enriquecimento curricular que são pagas pela câmara e a componente de apoio à família nas horas em que não há actividades de enriquecimento curricular. Tudo isto no mesmo espaço. É uma confusão diabólica.

E chegados ao 9º ano os alunos têm que sair? Conseguem perceber alguma angústia com a situação?
Um pouco, mas mais nos pais. É curioso porque antigamente ficavam por aqui nas redondezas, hoje em dia está muito na moda ir para o centro da cidade. As modas vão variando. Tem um pouco a ver com os “Morangos com Açúcar”. É uma emancipação enorme. Vão para o centro da cidade, vão sozinhos. Eles gostam, os pais numa primeira fase é que não ficam muito entusiasmados.
Inicialmente existe a angústia de saber para onde é que vão e nós tentamos orientá-los nas escolhas. Há uns quantos que ficam por aqui perto e acho que ficam muito bem. Há aqui escolas à volta renovadas que são muito boas.

Acha que os pais também têm algum receio quanto à qualidade do ensino? Por comparação com a escola Vasco da Gama?
Sim, acho que têm.

E nessa ponderação os pais preocupam-se com a posição no ranking que a escola ocupa? Quais são os critérios de escolha?
Às vezes é um sentimento misto. Quando são muito bons alunos vão sem medo para uma escola exigente, quando são assim assim, também os há aqui como é obvio, se calhar preferem ir para uma escola menos exigente. Mas a maior parte das vezes quem conduz a escolha são os alunos, não são os pais. Vão pelo grupo e por aqueles que já lá estão.

Qual é a sua opinião sobre os rankings das escolas?
É importante uma pessoa ter noção das notas, mas isso internamente conseguimos saber. Agora é de uma extrema injustiça. Num ranking deveria estar a qualidade de ensino e não o desempenho em exclusivo. A qualidade de ensino com tudo o que isso envolve, o professor e a matéria-prima que é o aluno e é claro o meio socioeconómico, pois existem grandes assimetrias por esse país.

Acha que os encarregados de educação têm preferência pelo ensino privado?
Penso que, infelizmente, se pudessem optariam pelo privado com mais vontade. Tenho essa ideia, porque a escola pública está um pouco denegrida. As tutelas que têm passado não têm ajudado muito. Depois há sempre a questão da disciplina. Eu sou um apologista da escola pública, que é a que melhor prepara para o mundo que está lá fora. Os colégios muitas vezes são microcosmos. Hoje em dia as escolas já têm mais condições. Houve uma altura em que fazia mais diferença.

A reputação de escola modelo persegue-vos ou responsabiliza-vos?
Acho que responsabiliza. Gostava até que houvesse a possibilidade de fazer mais pela escola. Gosto muito do facto de esta ser uma escola integrada, acho uma mais-valia muito grande. Há um grande entrosamento entre os mais pequenos e os mais velhos. O facto de ter os vários ciclos permite fazer um melhor acompanhamento. Só que, às vezes, ainda era preciso fazer um acompanhamento maior, os currículos serem mais sequenciais, haver mais fluidez.

Já tem alguma informação sobre as novas escolas? A escola da zona sul abre já no próximo ano lectivo?
Tenho tido contactos com o director regional sobre a questão das matrículas para a nova escola. Já havia muitos pedidos de informação. As inscrições são feitas na escola Vasco da Gama primeiro para o 1º ano e pré-escolar, pois fisicamente a outra escola não existe. Todas as pessoas que se inscreveram puseram em primeiro lugar a Vasco da Gama e depois a outra escola. As condições são as mesmas. Quando se candidatam o que conta é a área do PN. É chamada área de influência do PN. A seriação terá que se reger pela legislação em vigor.

Nesse aspecto o PN não está dividido?
Não, nesse aspecto já é uma freguesia.

Quantas inscrições há até agora para a escola da zona sul?
Agora não tenho esse número actualizado, mas não havia muitas. Eram sempre inscrições em segundo lugar. Só havia inscrições para o primeiro ano, para os outros anos as pessoas não se vão inscrever porque é sequencial. Não há vagas para o 2º ano na escola Vasco da Gama, portanto também não se vão estar a inscrever para a outra. Para já porque não se sabe se vai abrir segundo ano ou não. A ideia para a escola da zona sul é que tenha alguma ligação com o Pavilhão do Conhecimento.

Qual é a interacção da escola com os outros equipamentos presentes no espaço do PN e que ficaram da Expo’98?
Com o Teatro Camões já tivemos actividades. Temos de vez em quando algumas actividades com o Pavilhão do Conhecimento. Depois temos acções com outras entidades, como a PSP, o IPJ e o Clube Parque das Nações. A escola é um espaço aberto.

Até aos fins-de-semana?
Aos fins-de-semana há eventos no auditório ou então festas de aniversário. Alugar o auditório é bom para a escola porque é uma fonte de rendimento. Cada vez o orçamento do estado é mais curto, e quando há necessidade de fazer reparações nesta escola é muito caro. Esta escola foi feita com a nata do que havia na altura.

Para além de trabalhar também vive no PN, é uma situação que lhe traz vantagens?
Sim. Sempre vivi no centro da cidade. Sempre gostei muito de casas antigas recuperadas. Vivi na Baixa, no Bairro Alto…e ia e vinha todos os dias para o Barreiro. A certa altura achei que era uma mais-valia viver aqui. Numa primeira fase disse que para aqui não viria, mas depois comecei a perceber que era uma zona muito agradável. Tinha espaços verdes, o rio e podia ir a pé para a escola. É qualidade de vida trabalhar e viver aqui. Penso que até para a escola é uma mais-valia, porque estou perto, conheço as pessoas e as pessoas me conhecem. Gosto de me cruzar com as pessoas, de falar com elas, de comunicar.

Enquanto morador defende a criação de uma freguesia no PN?
Sim, porque acho que é uma grande confusão. No caso da escola temos que lidar com dois concelhos e três freguesias. Acho que seria tudo muito mais simples se houvesse uma união. Se é Lisboa, se é Loures para mim é um pouco indiferente. Se bem que sendo lisboeta a minha alma pesa para o lado de Lisboa. Se calhar até preferia que fosse Lisboa, mas apenas porque nasci lá.

Inês Lopes