O centro das cidades

É morador no Parque das Nações desde Fevereiro de 1999. Figura pública ligada à política nacional e à autarquia de Lisboa falou com o NP, na qualidade de cidadão, sobre o bairro e as suas esquinas.

Pensou alguma vez que poderia ser um risco vir morar para uma zona que iria ser criada de raiz?
Não. Conhecia a zona como deputado eleito, na altura, da Câmara Municipal de Lisboa. Conhecia o estado degradado em que se encontrava e, eu como outros portugueses e lisboetas vimos com muita satisfação a operação de requalificação. Na altura, o que estava nos desenhos e nos projectos correspondia a um determinado padrão de qualidade, a um nível de exigência muito elevado, o que atrairia, certamente, muitos moradores a esta zona. Tratava-se de construir uma nova cidade, um modelo novo, um modelo com uma grande ligação ao rio. Algumas destas zonas, nomeadamente no norte, têm, de facto, uma concepção de qualidade e, neste quadro, a expectativa não foi frustrada.
Agora, quando digo que a expectativa não foi frustada, refiro-me às zonas verdes. Não posso deixar de referir a qualidade com que todo este parque, entre a Torre Vasco da Gama e a ETAR é dotado. Quanto a isso não tenho qualquer dúvida, mas o problema é o futuro.

Como é que imagina as cidades do futuro?
Bem, eu não penso que exista um padrão único. Porém, essa pergunta levanta uma questão interessante acerca de como foi concebida esta cidade. Eu creio que as cidades devem ter uma malha urbana que permita ao cidadão que exista um tecido e ele tem que estar dentro desse tecido. É muito difícil conceber um viver humano em torno da Urbe sem este apelo importante, sem uma praça, um centro, um ponto de encontro. Neste aspecto a concepção da Expo faz do centro de toda esta zona a ligação entre o Centro Comercial e a Gare do Oriente. Não existe uma praça com esplanadas, sítios onde estar, comércio, um polo de atracção, nesse prisma a Expo é idealizada como uma cidade tranquila, mas creio que falta esse polo. Penso, até, que está a ser feita de um modo que privilegia o uso do automóvel e que existe uma saturação da habitação, há construção a mais. Há uma óptica de tentar diminuir o défice o que leva a perder a perspectiva de construção da cidade, não se verificando uma cidade do futuro. Outro problema são as ligações com a outra parte da cidade. Neste momento já não é fácil sair desta zona e com o aumento do número de habitantes e de serviços e sem nenhuma possibilidade de construir mais vias a tendência é para um agravar da situação.
Num outro aspecto, a Expo foi construída acreditando no sentido cívico dos moradores e visitantes. À partida as pessoas não estacionariam os automóveis à porta das casas, não encheriam tudo de carros. Não só os poucos serviços que existem nesta zona empanturram tudo, como aquilo que está para vir faz prever o pior. Assim como as diversas situações de abuso de estacionamento inacreditáveis, provenientes da FIL e do Pavilhão Atlântico. Para uma zona que ainda não está a um quarto de ficar preenchida, como é que estaremos quando estiver concluída.

O que é que pensa sobre o facto de o ministro Isaltino Morais, no passado dia 11, ter  admitido que, de facto, se verificou um certo excesso de construção, mas que será possível corrigir de alguma forma?
Penso que antes do Ministro tivemos a palavra, muito autorizada, do Presidente da República, que é um frequentador desta zona, que terá sido o primeiro grande alerta. Fico satisfeito que o Ministro o tenha dito, eu penso que há tempo de se corrigir aquilo que pode ser corrigido, agora, não se pode perder mais tempo. Se toda a gente já reconhece que existe um excesso de construção e que existem problemas com a inexistência de uma praça ou duas (a norte e a sul) que poderiam ser um polo de atracção, se tem essa noção, então as medidas têm que ser imediatas. Caso não sejam imediatas, não passaram de palavras, dado o apetite devorador dos promotores imobiliários. O que está em questão é o desafio da qualidade, uma boa parte pode ser resolvida, mas só com a aplicação de medidas imediatas.

Que outros problemas é que sente aqui?
É inacreditável que a única escola esteja saturada, que não exista um centro de saúde, que o arbítrio da Direcção-Geral dos Trans­portes Terrestres impeça a CARRIS de lançar novas carreiras. É inaceitável que se o objectivo era construir a cidade de qualidade, se construísse a habitação e os escritórios e depois não tenham os serviços base que enquadram, dão respostas à saúde, educação e transportes.

Pensa que o atraso da Sociedade de Gestão Urbana (SGU) poderá ser responsável por esses problemas?
Penso que sim. A Indefinição jurídica foi também responsável por isto, veio proporcionar algum desleixo por parte das entidades responsáveis, por alguns dos departamentos responsáveis. Portanto, ganhou o sector da contabilidade, perdeu o sector do urbanismo. Noutro lado, os municípios de Lisboa e Loures tinham a estrita obrigação de, há muito mais tempo, terem intervido, de tomarem as medidas necessárias. Já agora, um dos problemas que temos aqui e que possa, no futuro, dar origem a muitas situações conflituais, são certas figuras jurídicas ligadas à propriedade como o exemplo de largos, como o Largo dos Corvos, que é de propriedade privada (condomínios) mas que é de uso público. É propriedade do condomínio mas tem esplanadas e pessoas a utilizarem-no. Situações como esta estão a provocar alguns problemas de responsabilidade e têm que ser resolvidas. Se o espaço é público, pode-se pedir aos moradores, por exemplo, que paguem a água, para rega ou para a alimentação de uma fonte? A Parque Expo, as entidades públicas têm que assumir as responsabilidades.

Qual é que será o futuro administrativo mais viável?
Um dos problemas que mais dificultam uma solução é o facto do território do Parque das Nações se inserir em dois municípios e 3 freguesias. É uma situação em que, quando há uma necessidade de concepção, de equipamentos colectivos, de gestão de toda esta zona, o facto de a associação administrativa não coincidir, torna-se um factor adicional de dificuldade. Creio que os responsáveis políticos deveriam encarar a necessidade de rapidamente resolverem o problema da única forma que me parece adequada, a criação de uma freguesia que abranja todo este território e que se insira na cidade de Lisboa.

Pensa que existirá algum interesse em atrasar este processo?
Não tenho conhecimento. Penso que os municípios estão com grande dificuldade em abrir mão da situação que se traduz em sisas de muito alto valor e muito numerosas. Aliás, é bom dizer que Lisboa e Loures estão a receber muitos milhares de Euros de sisa que bem se podiam aplicar na valorização deste território.  

Sem tentar medir responsabilidades, terá a Parque Expo ido mais longe do que as suas funções, e as autarquias ficado pela omissão?
Penso que as autarquias deveriam ter sido muitíssimo mais diligentes no assumir de responsabilidades, nessa medida cabe-lhes uma responsabilidade por omissão. Por não terem feito, por não terem proporcionado a intervenção de mecanismos. Mas, quem de facto é responsável é a Parque Expo. A Parque Expo foi, na minha opinião, a certa altura extremamente negligente. Aliás, percorrendo esta zona (norte), podemos observar que já há pequenos sinais de degradação, como por exemplo o caso de passeios que não estão tratados. Isto revela o desleixo, que talvez seja muito português, temos muito a capacidade para deixar estragar.

O que tem a dizer sobre a imagem que passa lá para fora?
Existe um problema de fundo que é o facto de esta zona ter uma imagem tão consolidada de qualidade e excelência que ninguém acredita no contrário. Por isso existe uma certa relutância em dizer algo que vá contra esta ideia feita.    

Caso a imagem que passa lá para fora começar a ir contra essa ideia feita poderá verificar-se uma desvalorização do parque imobiliário?
Os promotores imobiliários são os mais interessados em que ninguém diga o
que se está a passar, e com isto respondo à sua pergunta.

Qual é o seu local favorito?
Dentro da cidade existe o bairro, dentro do bairro a rua, dentro da rua o quarteirão, a zona que eu prefiro é o meu quarteirão. Gosto muito do Largo dos Corvos, mas o sítio de que eu gosto mais nesta zona, e poderá parecer uma ironia, é a mercearia do bairro. É lá que realmente se encontram os moradores no seu quotidiano, é o sítio onde os prédios se transformam em bairro, onde se cria o local de bairro. Uma mercearia de muita qualidade, com gente muito atenciosa que faz o centro do bairro.

De que forma é que o cidadão comum poderá ter peso na edificação do Parque das Nações?
Eu quero louvar a Associação de Moradores e todo o trabalho que têm desenvolvido, mas não quero deixar de salientar que talvez fosse importante por parte dos moradores um maior interesse por tudo o que se passa nesta zona. Se os residentes tivessem uma maior intervenção, um maior cuidado, se não se limitassem a observar o que está mal, creio que esta cidade, tal como está construída (prédios isolados e grandes), não privilegiará fortes relações de vizinhança. Por isso estas têm que ser construídas já pelos moradores e é muito importante que isso suceda. A Associação, nisso, poderá ter um papel catalisador nessa intervenção.

Tudo o que eu disse tem um sentido claro que é de contribuir para que se revitalize esta zona como uma zona de qualidade e como uma zona que possa ser um paradigma. Não considero que haja um desastre, não estamos perante uma situação irremediável, mas é sim uma situação que urge medidas muitíssimo urgentes. Por isso, o sentido é alertar  para se conseguir a qualidade exigida.