NP – edição n.º60

Depois de anos de indefinição, a Marina do Parque das Nações encontra-se, finalmente, a funcionar em pleno. O Notícias do Parque falou com o Eng. José Vilar Filipe, director da marina, que nos deu a conhecer a nova dinâmica da Marina do Parque das Nações e os principais obstáculos que tem enfrentado. Por: Bernardo Mata


 

Como é que tem sido a evolução da Marina do Parque das Nações?
A fase de construção das infra-estruturas terminou há cerca de dez meses, com a recuperação do Edifício Nau. Mas esta nova era da marina já começara em Agosto de 2009, altura em que se completou a reoperacionalização da baía sul. Portanto, já temos praticamente dois anos de experiência e, completada esta fase de consolidação da obra, a nossa maior preocupação de momento é conseguir criar o dinamismo necessário para captar clientes. Uma marina não é um parque de estacionamento de barcos. Felizmente, o Parque das Nações é uma zona onde se promove uma grande quantidade de acontecimentos e temos de saber tirar partido deles. Um outro ponto importante da nossa acção prende-se com a dinamização do estuário do Tejo. Todas as infra-estruturas ligadas ao rio estão em uníssono nesta questão: há que encontrar formas de dinamizar conjuntamente o estuário e de promover um produto que é comum a todos.

De que forma é que esta marina tem evitado cair nessa designação de “parque de estacionamento de barcos”?
Logo que as embarcações chegam, existem marinheiros que lhes prestam o apoio necessário. É logo por eles que passa muito do interface e empatia entre o cliente e a marina. Depois, há uma recepção que oferece auxílio em questões burocráticas e turísticas. Se houver algum problema com a embarcação, temos uma zona técnica onde se prestam reparações para que esta continue a sua viagem em segurança. Temos ainda um conjunto enorme de serviços que permitem às pessoas tirar o máximo partido da água e do meio aquático. Se quiserem fazer um jantar gourmet a bordo de uma embarcação, nós disponibilizamos. Se quiserem fazer um passeio no Tejo, com passagem por locais menos conhecidos, arranjamos forma de o fazer. Portanto, todos estes serviços vão muito além do local onde se deixa o barco até à próxima viagem. Isto não é um negócio de arrendamento de espaço, mas sim de acolhimento, da mesma forma que o é, por exemplo, a hotelaria.

Como é que a Marina do Parque das Nações se diferencia da restante oferta na zona de Lisboa?
A localização é excelente e temos uma infra-estrutura de grande qualidade, quer nos serviços que presta, quer em termos de segurança. São instalações recentes e perfeitamente adequadas às exigências actuais. Cumprimos todo o tipo de exigências técnicas e ambientais, e recebemos até a Bandeira Azul, logo no primeiro ano de actividade. A qualidade do nosso serviço tem sido, aliás, reconhecida pelos nossos clientes.

Tem havido da vossa parte a preocupação em envolver a comunidade do Parque das Nações nas actividades da marina?
Desde sempre. As pessoas precisam de ser aliciadas para a náutica e tem sido essa a nossa intenção e determinação. Neste aspecto, o centro náutico assume um papel muito importante já que permite às pessoas terem um primeiro contacto com a actividade. Por exemplo, fizemos recentemente um open day e tivemos 400 pessoas no centro náutico a fazerem iniciação à canoagem e à vela. Temos a felicidade de poder aproveitar a Doca dos Olivais, que apresenta condições excepcionais para o ensino destas actividades. Claro que não estamos circunscritos a essa zona e, quem mostrar interesse, pode sempre avançar para as nossas actividades no rio. Temos agora um workshop de “Stand Up Paddle”, que permite às pessoas fazerem uma iniciação ao surf mais simples, e começámos também um programa de vela para pessoas com deficiências, numa parceria com a Associação Salvador e a Associação Gulliver. As reacções têm sido óptimas. Criou-se em pouco tempo um espírito e uma dinamização que têm sido muito bem aceites pela comunidade. Isso significa que, dentro das nossas capacidades, podemos incentivar as pessoas que estão na dúvida sobre se devem ou não aderir.

Concorda que existe falta de cultura náutica em Portugal?
Haverá poucas áreas do conhecimento e da intervenção tecnológica em que tenhamos tão boa aceitação internacional como no Mar. Infelizmente, a receptividade entre a população é ainda diminuta, apesar de todos os esforços para que se dinamize o Mar e para que este seja reconhecido como o nosso maior recurso. Daí a importância dos centros náuticos e da capacidade formadora: há que fazer com que as pessoas saiam dos centros comercias para praticar uma actividade saudável como a náutica.

Mas considera que a náutica de recreio é uma actividade em crescimento no nosso país?
Nos anos 90 e na primeira metade da década passada, a náutica conheceu um grande crescimento em todas as suas componentes. Houve três factores determinantes para esta expansão. Em primeiro lugar, as embarcações passaram a ser feitas de fibra, o que permitiu baixar o preço dos equipamentos. Os iates não são o único produto que existe. Os barcos podem ser relativamente económicos desde que feitos em plástico e com dimensões e capacidades mais limitadas. O segundo factor é a curva demográfica. As pessoas reformam-se cada vez mais cedo e querem usufruir de um estilo de vida mais aventureiro no início da reforma. O último aspecto é que a náutica deixou de ser um negócio para quem tem barco. O aluguer de embarcações permite a adesão de todas as pessoas que possam ter gosto pela náutica como forma de lazer. No entanto, desde 2008, que este crescimento tem abrandado. A náutica de recreio continua a ser um negócio em expansão, mas não com a dimensão que vinha a ter nos 15 anos anteriores. O envolvente económico será certamente um factor determinante, mas estou convencido de que haverá uma retoma no sector a médio prazo. Por outro lado, não posso deixar de referir que a forma administrativa com que se tem encarado este negócio não pode ser tão restritiva como a legislação prevê.

Vê o excesso de burocracia como um obstáculo às actividades náuticas?
Tem sido reconhecido oficialmente que se tem de fazer mudanças. Por exemplo, o aparecimento de um balcão único, que faz a gestão de todo o sistema administrativo, iria permitir que não tivéssemos de andar a correr vários departamentos para conseguir o que queremos. Isto seria determinante porque não desmotiva as pessoas e só nos iria colocar em pé de igualdade com a concorrência internacional que já beneficia destas circunstâncias. Além do mais, o interessado em experimentar a náutica de recreio deve poder fazê-lo sem licenças, cartas e todo o conjunto de burocracia que acaba, muitas vezes, por o desmotivar.     

Concorda com a ideia de que existe também uma certa dispersão das entidades ligadas ao Mar em Portugal?
É verdade. Nós próprios temos uma quantidade de entidades a quem solicitar autorizações e pedir licenças, entidades essas que, por sua vez, ainda têm de dar conhecimento a outras. Mas não é algo que sucede só com a náutica: acontece sempre que há várias entidades a operar sobre o mesmo meio. Há uma grande dispersão de entidades com competências que nem sempre são fáceis de coordenar, e o estuário do Tejo é bem o exemplo disso. De qualquer forma, julgo que há uma tendência para esbater essas sobreposições e isso tem-se vindo a notar.

O turismo náutico é visto como uma actividade direccionada para um público com algum poder económico. O que é que se tem feito para combater esta noção?
O golfe também é visto como um desporto de elites, mas não é preciso comprar um set de 24 ferros, quando com dois ou três se consegue tirar o prazer da modalidade. Aqui é a mesma coisa. Não é preciso um barco de 18 metros para usufruir das valias da náutica. Um barco de oito metros serve perfeitamente e custa um quinto do preço. Além do mais, nos dias de hoje, é perfeitamente natural que uma pessoa que queira fazer uma viagem num país mais longínquo não leve a sua viatura até ao local, já que terá lá embarcações capazes de resolver a sua necessidade de deslocação. É o que acontece em países como a Croácia, a Grécia e a Turquia, cujo modelo não se baseia tanto nas pessoas com embarcações, mas sim naquelas que procuram a experiência náutica num período relativamente curto. Portanto, creio que é uma falsa ideia aquela de que a náutica está relacionada com um extracto social de grande capacidade económica.

E relativamente ao público mais jovem? Têm procurado atraí-lo?
Já temos protocolos com escolas, exactamente para que tragam os seus alunos ao centro náutico, permitindo-lhes ter uma primeira experiência com a náutica. Mas é algo que tem que ser ainda mais fomentado.

Sente que a Marina do Parque das Nações já é um ponto de passagem atraente para os turistas?
Dois anos são dois anos. Não podemos achar que já somos uma referência, mas não tenho dúvidas de que começamos a sê-lo, a avaliar pelas excelentes reacções que temos tido às acções que dinamizamos. Por exemplo, fizemos um encontro de Natal em que os vários skippers trouxeram um produto do Natal da sua terra. São também organizados vários passeios no rio, que permitem que os nossos clientes se conheçam e comecem a organizar passeios entre eles. É muito semelhante ao que acontece no turismo de aventura: uma pessoa pode ter algum receio de avançar sozinha, mas se for acompanhada com mais quatro ou cinco, avança sem dúvida nenhuma. Mas, no fim de contas, o turismo precisa é de sítios para visitar. É esse o segredo. No caso da Grécia e da Croácia, por exemplo, o turismo anda em volta das ilhas. Por isso, temos que descobrir, aqui, no Tejo, destinos para as pessoas visitarem. E temos tanta variedade que não vai ser difícil potenciar esses locais. Não basta dizermos que temos muito sol, águas excelentes e boas refeições. Temos de promover os sítios como um produto turístico, e por isso é que é muito importante que os operadores de toda a zona do estuário se possam organizar para esse fim.

De onde vêm as pessoas que utilizam a marina?
Existem essencialmente três segmentos. Há os residentes, que usam a marina mais como parque de estacionamento já que lhes permite ter a embarcação próxima de casa. Um terço desses residentes vive no Parque das Nações ou em zonas limítrofes. O segundo segmento são as pessoas que nos visitam pelas condições de segurança que a Marina do Parque das Nações lhes oferece. É uma marina semi-fechada, com boas condições de estabilidade e segurança, e as pessoas deixam aqui os barcos durante os períodos em que não os pensam utilizar. O terceiro segmento são os turistas, e esses vêm muito pela zona de Lisboa onde nos inserimos: o Parque das Nações, que é considerada a zona mais agradável e moderna da cidade. Outra das nossas vantagens é que não temos embarcações comerciais por perto. A Marina do Parque das Nações não é um porto que também tem náutica de recreio. É uma marina de náutica de recreio urbano. É importante referir ainda que grande parte dos nossos visitantes vem por informações que receberam de quem já cá esteve. Este “boca-a-boca” é crucial para o nosso sucesso.

Que cuidados tem a Marina do Parque das Nações quanto à gestão ambiental?
Quando começámos as obras já tínhamos como objectivo corresponder aos critérios da Bandeira Azul, portanto não é de estranhar que, ao fim de um ano, já a tivéssemos recebido. Mas o aspecto ambiental passa muito pela adesão dos utilizadores. Podemos ter todos os sistemas montados e a funcionar, mas, se as pessoas não aderem, é difícil cumprir os objectivos. Temos feito campanhas junto dos utilizadores, tentando criar hábitos no sentido de cumprir os requisitos ambientais, como a separação do lixo, a recolha dos resíduos, ou os cuidados a ter com operações poluidoras da água. Temos de ser firmes com os utilizadores, mas também fazer com que eles compreendam o benefício que têm em respeitar certas medidas. E isso tem sido feito com acções de divulgação e também com o papel de monitorização feito pelos marinheiros logo que uma embarcação chega à marina. De qualquer forma, temos tido excelente receptividade por parte das pessoas e até agora não têm existido quaisquer problemas.

Podemos dizer hoje que a Marina do Parque das Nações já foi adoptada pela comunidade local e vice-versa?
Estamos a começar. O Edifício Nau será crucial na dinamização desse interface com a comunidade. As pessoas virão à marina, não apenas para ver as embarcações, mas também porque há lojas, estabelecimentos, animações e restauração. Claro que nem todos estarão interessados em vir para dentro de água, mas provavelmente já não se importam de estar numa esplanada sobre a marina, em vez de estarem enfiados num centro comercial. Em Fevereiro, organizámos dois dias de open day na Nauticampo, com visitas ao Tejo e passeios de meia hora. Apareceram 250 pessoas. O público existe, é preciso é que os incentivemos a ganhar o gosto. São acções que vamos fazer mais vezes, precisamente para que as pessoas possam ter um primeiro contacto com a náutica, que depois possa evoluir para algo mais.