Mobilidade Suave

Apresentação
Chamo-me Patrícia Trévidic, tenho 35 anos, sou economista e desde Julho de 2009 estou a gozar (no sentido literal e humorístico do termo) licença sem vencimento para cuidar da minha filha Teresa que tem 2 anos. Para mim, não há nada mais importante que mostrar à Teresa que o mundo onde ela vive há muitas realidades diferentes, belas, originais e à medida que ela se vai tornando cada vez mais independente, poderá ir escolhendo aquilo que melhor revelar a sua personalidade única (coisa que eu própria também ainda vou descobrindo acerca de mim mesma).

Como e porquê começou o teu relacionamento com esta forma de mobilidade?
A bicicleta surgiu como necessidade de me divertir e, também, como maneira de resolver a necessidade de ir mostrando à Teresa mais coisas, na cidade, sem termos de andar a pé. A nossa velocidade máxima é de 1 km/hora, com a Teresa a ficar com o braço dorido em meia-hora de eu tanto a puxar… por outro lado, na bicicleta tem-se mais privacidade e liberdade de movimentos do que nos transportes públicos. Mas relativamente à privacidade, há uma coisa engraçada na bicicleta: quando conduzia um carro, o facto de estar fechada no habitáculo isolava-me demasiado do ambiente em que circulávamos. Tinha de estar tão concentrada na condução que não conseguia mostrar grande coisa à minha filha, nem conversar com ela sentada no banco de trás. A velocidade do carro não permite ver pormenores dos locais onde se passa; não se interage com as pessoas que passam por nós; não permite ouvir nada; não permite sentir cheiros, e há alguns que valem muito a pena. O nosso corpo também não está a participar grande coisa na viagem, só o pé no acelerador é que se mexe e os braços e mãos no volante. Muita da energia do corpo é desperdiçada quando se anda de carro ou mota ou TP; acho que faz parte da minha maneira de ser (e também da minha profissão) desperdiçar o mínimo e isso inclui as minhas capacidades pessoais. Quando escolhi vir viver para a zona do Parque das Nações já tinha em mente estes passeios (eu adoro passear, não consigo passear só quando estou de férias, ou aos fins-de-semana, tenho de fazer isso todos os dias), e não só enquanto estiver de licença. Resumindo, na bicicleta percorrem-se menores distâncias, mas aprendo e saboreio melhor as viagens. E a minha criança também.

De que forma usas a bicicleta no teu dia-a-dia?
Normalmente para dar passeios com a Teresa. Nem sempre usamos as ciclovias, depende das circunstâncias e das alternativas. Acho que nunca me senti insegura ao transportar a Teresa no meio do trânsito, sempre fui cuidadosa e o facto de também ter sido condutora de automóvel dá-me sabedoria para perceber qual a melhor maneira de me deslocar com segurança. Penso que quando os condutores vêem a cadeirinha na bicicleta têm cuidado e mais paciência; e, às vezes, até sorriem ao ver a Teresa, quando o trânsito está parado. Uso a bicicleta no metro quando temos de ir a sítios mais longínquos (ao fim-de-semana o acesso é livre e, depois das 20H00, nos dias úteis). A bicicleta é um ginásio do corpo, como é óbvio, mas também é do espírito. Ajuda-me a tomar consciência do meu próprio corpo que está em movimento no meio das circunstâncias da vida, a aperceber-me da riqueza do meio em que vivo, da sua grande diversidade e das pequenas delicadezas / pormenores que estão no caminho e que umas vezes o dificultam, noutras o enriquecem. Sempre que ando na bicicleta, aprendo mais qualquer coisa sobre a minha vida. É verdade que andar de bicicleta implica o risco acrescido de magoar o corpo numa queda ou num embate; mas o facto de ter isso consciente é também importante para aprender a lidar com os riscos que a vida de qualquer pessoa acarreta. Sei que existem, por isso também aprendo a melhor maneira de lidar com eles e de evitá-los na medida em que não me trazem benefício que os justifique. Por outro lado não é possível viver bem sem lidar com riscos e sem sabermos calcular ou reflectir as opções que tomamos tendo em conta o que investimos e o que poderemos beneficiar.

Quando ando de bicicleta fora das vias reservadas, há muitas vezes a sensação que estou a mais no trânsito. Andamos a empatar os outros. E que os outros têm direito a andar muito depressa, têm mais direito a viajar muito depressa – à velocidade que querem e podem – do que o meu direito de viajar. Não critico que os outros possam querer determinar a velocidade que querem, mas eu não me sinto mal de andar no trânsito quando sei que quem quer andar depressa pode sempre ultrapassar-me (se não pudesse eu encostava e deixava passar). Não é por causa dos 100 metros de caminho que a minha bicicleta está a roubar de espaço que a pessoa automobilizada tem alguma coisa a ganhar com a agressividade que sente em querer que eu saia do caminho. Andamos no mundo querendo realmente viver juntos e aceitar as pessoas, ou andamos no mundo apenas a suportarmo-nos uns aos outros? Acho que está no olhar de cada um aquilo que escolhe sentir em relação àquilo que é incómodo. A bicicleta também é um meio de eu aprender alguma coisa em relação a isso. Eu também sou, muitas vezes, atropeladora dos outros. E quando “atropelei” alguém, assumi e resolvi a questão com o outro. Não fiquei eternamente a sentir a vergonha de falhar. Não vivamos com vergonha, vivamos com a ousadia de resolver e seguir em frente, cada um ao seu ritmo.