Mar Português

Já estava em Peniche a acompanhar a cobertura do evento para um outro jornal.  Às 8h00 recebia uma mensagem de um amigo, em Lisboa, a dizer que, afinal, se tinha dado um twist. A prova da elite do surf mundial, que colocava à prova Portugal, como futura paragem para este campeonato, podia vir a ser uma das mais memoráveis desse ano. O mar estava como há muito tempo não se via.  Corri nervoso para a praia. A caminho já dava para perceber que não se tratava de uma terça-feira normal. Centenas de pessoas começavam a invadir Supertubos. Com se tivessem chegado a um fim qualquer. O destino era aquele. Nem mais, nem menos. E ali ficaram. Como se mais nada importasse. Com um olho no mar e outro na praia conseguia ver as centenas  transformarem-se em milhares.  Arrepiante. De um dia para o outro o mar transformara-se num verdadeiro monumento vivo do Surf, trazendo de volta o orgulho nacional. Com um recorde de audiências, tanto na praia como no resto do mundo que seguiu o directo online. Não admirava que a mensagem tivesse passado tão depressa e milhares de pessoas tivessem parado o tempo, deixado tudo para trás, para rumarem a Peniche e ver algo que poucas vezes se vê na vida. Ali, com toda a gente virada a Oeste, pouco se dizia. Não havia necessidade de verbalizar. Os  sorrisos e os olhares confiantes escreviam o momento.  

Não sei porque peguei neste pedaço de memória?  Talvez por ter tropeçado há dois dias nesta foto. Talvez pelas recentes evocações à nossa história, ao nosso património marítimo. Talvez pelo nevoeiro depressivo que se começa a sentir na nossa costa: de não sermos bons, de não sermos capazes, de não conseguirmos. Talvez por até ao dia anterior desta terça-feira, a maioria das pessoas terem esta prestação portuguesa como mais um típico episódio lusitano. O nosso herói, o Tiago Pires, desclassificado, logo no início e o nosso mar, grande em tempos, hoje pequeno e banal. Mas bastou uma lua para que o twist se desse. E, de repente, já somos os maiores. Mais do que pelas ondas, pelas pessoas, pela paixão que as moveu naquele dia, naquela praia. Numa altura em que ninguém esperava surpresas, de repente, algo de grande acontece. E as pessoas agarraram o momento com toda a força, com toda a alma, como se fosse um primeiro dia. Acreditando e tendo orgulho. Orgulho no que a nossa costa conseguiu oferecer. Na unicidade do momento. Orgulho neles. Orgulho no país. Orgulho de afinal sermos capazes.
Num sítio marcado pela fronteira que separa o homem da natureza. Do gigante que ninguém consegue domar. Mas, que numa fúria quase que controlada, autorizou o homem, naquele dia, a entrar. Sem abdicar da sua imponência, da sua dureza, da sua liberdade. Mesmo quando a noite o obrigou a devolver o homem a terra, algo, para sempre, ficou por lá.

Miguel F. Meneses