Human Habitat

O Ciclo de conferências Human Habitat, promovido por Livia e Ken Nunes, da Construção Sustentável e que conta com o apoio da Parque Expo encontra, agora, uma pausa. Fica um breve balanço de um encontro que
conseguiu trazer a Portugal alguns dos actuais maiores actores da Sustentabilidade Global.

Que balanço fazem neste intervalo de conferências?

Vividos intensamente todos os momentos deste ano em que alguns dos mais exigentes actores, da sustentabilidade global, partilharam connosco as suas visões holísticas e a sua passagem à prática, sabe muito bem fazer o balanço das externalidades positivas para as quais pudemos contribuir.  
O ponto de partida para o desenvolvimento do conceito na base do Ciclo de Conferências HUMAN HABITAT 2010 foi claramente a consciência de que a crise económica iria criar um vazio que se prestava a questionar alguns dos pressupostos civilizacionais que nos fizeram chegar ao ponto em que nos encontrávamos, no início de 2010.
Para aqueles que participaram nas Conferências HUMAN HABITAT 2010 e para os que posteriormente acederam às gravações áudio e às apresentações dos oradores convidados on-line em www.construcaosustentavel.pt, este vazio foi preenchido por estas poderosas visões holísticas e pelos casos de estudo e de boas práticas que nos foram propostos.
Nem sempre a nossa sensibilidade e mesmo a capacidade de enfrentar realidades evolui ao mesmo ritmo daqueles que nos são mais próximos e, no fundo, se nos sentimos isolados enquanto atravessamos momentos difíceis na vida, não somos tão construtivos como poderíamos ser, se canalizássemos as nossas capacidades para encontrar soluções. Quando nos revemos no que alguns entre nós, mais sábios, nos transmitem, conseguimos dar um salto positivo… para proporcionar mais sustentabilidade à sociedade que integramos.
É esse o estímulo que queríamos disseminar com este ciclo de conferências.
Os oradores, quase todos, desenvolveram as suas visões partindo de realidades distintas e de contextos diferentes, sendo todos portadores de importantes mensagens que, a nosso ver, apesar de muito diversificadas, são complementares e, todas elas, essenciais.

Sei que é difícil mas se pudessem escolher três máximas resultantes quais seriam?

Reduzir a três as máximas que os oradores convidados para o Ciclo de Conferências HUMAN HABITAT 2010 nos trouxeram, obriga-nos a um processo de selecção que poderá contrariar o objectivo da pergunta… também porque a resposta será certamente diferente segundo a óptica de cada participante. De qualquer forma arriscaríamos a seguinte resposta:
Todas as nossas acções têm consequências e precisamos de assegurar que as mesmas não impeçam as gerações vindouras a aceder ao bem-estar e à prosperidade a que têm direito;
É necessário intervir profundamente em todos os processos que suportam a nossa existência, numa perspectiva da sustentabilidade, mesmo que isto signifique que todos tenham de ser reinventados;
Todos os problemas com os quais nos confrontamos têm resposta, mas para a encontrarmos ocorre primeiro identificar a pergunta;
Falando em nome da equipa HUMAN HABITAT 2010, estamos convencidos de que aquilo que aprendemos nas conferências torna-nos mais competentes, mais capazes de enfrentar os desafios que a actual conjuntura nos impõe e de contribuir positivamente para a sustentabilidade das nossas cidades.  

Ainda mais difícil: resumir numa frase, cada um dos oradores?

E impossível resumir numa frase apenas o leque de conteúdos de cada apresentação distinta, porque seria reducionista. Para além do resumo de cada apresentação salientamos uma  frase característica de cada um dos oradores convidados. Fica o resumo de alguns deles.

Karl-Henrik Robèrt revelou o modelo unificador para o desenvolvimento sustentável estratégico criado no âmbito da ONG “The Natural Step”. Este modelo, que assenta em 4 condições de princípio, obriga-nos a contribuir construtiva e sistematicamente para:
1.Anular o que contribuímos para o aumento sistemático das concentrações de substâncias nocivas na crosta terrestre. O que significa substituir a extração de certos minerais escassos da natureza por outros mais abundantes, utilizando todos os materiais extraídos de maneira eficiente e reduzir sistematicamente a dependência de combustíveis fósseis.
2. Anular o que contribuímos para o aumento sistemático das concentrações de substâncias produzidas pela sociedade. O que significa substituir sistematicamente certos componentes resistentes e artificiais por outros, naturalmente abundantes, ou mais facilmente dissolvíveis na natureza, e utilizar todas as substâncias produzidas pela sociedade de forma eficiente.
3. Anular o que contribuímos para a degradação física e sistemática da natureza por excesso de exploração, impedindo a degradação. O que significa extrair recursos apenas de ecossistemas bem geridos, assentes numa utilização sistemática, mais produtiva e eficiente, tanto dos recursos como da terra, analisando sempre cuidadosamente qualquer alteração da natureza.
4. Contribuir o máximo para responder às necessidades humanas na sociedade e na terra, além de todas as medidas de substituição e desmaterialização tomadas para atingir as três primeiras condições descritas. O que significa utilizar todos os recursos de forma racional, com eficiência e responsabilidade, garantindo que as necessidades de todas as pessoas e as necessidades futuras de pessoas que ainda não nasceram, tenham as melhores condições para serem satisfeitas.
Uma das suas frases mais características:
“A competência, mais do que os valores, define o desenvolvimento sustentável”

Klas Tham que nos falou sobre a cidade compacta e repleta de diversidade e sobre a escala humana no Planeamento Urbano. Descreveu o processo de planeamento urbano e os resultados desse processo no caso da área de intervenção da Exposição Europeia de Habitação sobre Sustentabilidade de 2001 “BO01 City of Tomorrow” em Malmö. Muito para além de tudo que é facilmente quantificável, como será o caso da dimensão energético-ambiental, existem um conjunto de atributos que contribuem para a atractividade de uma cidade que a tornam única, capaz de dar resposta às sensibilidades estéticas, emocionais e sociais das suas populações.
Uma das suas frases mais características:
“O bom planeamento urbano não pode ser destruído por má arquitectura, mas nem a melhor arquitectura pode salvar um mau planeamento urbano”

Lia Vasconcelos partilhou connosco a sua experiência sobre o envolvimento de habitantes locais em todo o processo de requalificação de bairros críticos, demonstrando o potencial de intervenção em todas as áreas da sustentabilidade. Perante o caso do bairro da “Cova da Moura”, demonstrou ainda que os bairros críticos nos podem surpreender pelo potencial que têm de sobreviver em situações de adversidade. Os processos participativos, em que se exploram novas formas de governância, permitem partilhar responsabilidades na gestão dos espaços comuns, transparência e equidade na gestão de recursos locais e resultam num maior sentido de identificação por parte dos habitantes com os contextos urbanos que habitam. Também as comunidades locais ganham com a capacitação e com o aumento de competências, permitindo-lhes participar nos processos de decisão que as irão afectar.
Uma das suas frases mais características:
“Territórios sustentáveis e de qualidade são reflexo de comunidades saudáveis, consolidadas e apoiadas em fortes identidades”  

Michael Braungart falou sobre a filosofia CRADLE TO CRADLE que apresenta novos produtos e o modo como estes implicam a transformação dos respectivos processos industriais, relevando o Habitat Humano (seus edifícios e materiais utilizados), a forma como tornar cidades contextos ecologicamente mais positivos. Os três princípios CRADLE  TO CRADLE integram a abordagem ao tema de forma transversal: o primeiro princípio considera os resíduos “alimento”; o segundo – extremam
ente oportuno em Portugal – considera a utilização do balanço solar positivo para suprir as necessidades energéticas; o terceiro, visa o apoio à diversidade.
A filosofia CRADLE TO CRADLE deve ser aplicada a diversos processos industriais e quotidianos, enquanto questiona alguns dos alicerces do nosso actual modelo de desenvolvimento económico e social, na medida em que coloca na entidade que detém o maior grau de competências para assegurar a reintegração perpétua de todos os recursos extraídos e transformados, na tecnosfera ou na ecosfera, o ónus da propriedade. Deste modo, a gestão dos recursos finitos será muito mais eficaz, sem necessidade de prescindirmos de conforto, serviços nem, tão pouco, de saúde.
Uma das suas frases mais características:
“ Food is Waste is Food”

Timothy Beatley, introduziu o tema da resiliência urbana, que abrange diversas dimensões de risco, às quais as cidades estão cada vez mais sujeitas. Um planeamento urbano responsável e sustentável precisa de considerar a prevenção, a mitigação e a capacidade de regeneração das cidades, face aos eventos extremos que as podem ameaçar.  As cidades têm um enorme potencial para, positivamente, retratar temas tão importantes quanto a sustentabilidade ambiental, a aproximação das pessoas entre si e com a natureza, criando contextos urbanos acolhedores, reduzindo simultaneamente a sua pegada ecológica. Ilustrou a sua visão com as experiências piloto de cidades Europeias e Norte Americanas que se desenvolvem de forma exemplar. A integração da natureza nas cidades, a todas as escalas de intervenção, do parque à varanda e da cobertura verde ao vaso, permite reduzir os efeitos negativos de muitas das pressões que condicionam a qualidade de vida nas cidades e permitem satisfazer o gosto das pessoas por um estilo de vida mais “verde”.
Um dos termos mais característicos que utiliza:
“Cidades Biofílicas”

Carlota Perez propôs-nos que a combinação entre as Tecnologias de Informação e Comunicação, a dimensão “verde” e a completa globalização constituem a resposta para salvar a economia da ameaça do crescimento do desemprego e da recessão que resultaram do colapso financeiro. Com base nos padrões recorrentes da história, interpretou o estrondoso colapso da bolha financeira como um sinal para a necessidade de uma transferência estrutural, no âmbito da qual o Estado volta a tomar o papel de dinamizador da economia, pondo fim à economia de casino e tornando os investimentos na economia real mais lucrativos. Alertou para o facto que, para atingir estes objectivos, é essencial inovar institucionalmente, uma vez que os modelos antigos não funcionam.
A revolução tecnológica associada às TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) proporciona todo o potencial para a instauração de uma nova era de ouro global, sempre no pressuposto que se consigam encontrar os consensos políticos necessários que levarão à promoção de uma reabilitação “verde” das infra-estruturas urbanas envelhecidas, uma renovação dos processos de produção e do nosso estilo de vida, a favor da sustentabilidade urbana através de um processo de globalização mais equilibrado. Sugeriu assim que a combinação do acesso ilimitado e global às TIC, com a inovação “verde” de infra-estruturas urbanas e com a globalização integral, poderão resultar numa relação simbiótica entre as diversas áreas de negócio e a sociedade bem como entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Uma das suas frases mais características:
“Construir uma era dourada sustentável para superar a crise”

António Pires dos Santos, falou sobre o crescimento das populações urbanas, que criam uma maior procura para as infraestruturas urbanas que fornecem serviços vitais, como transporte, saúde, educação, água, energia e segurança. Soma-se a estas a pressão constante das pessoas por melhores escolas, programas ambientais mais verdes, governos mais acessíveis, habitação mais barata e mais opções para os idosos.
Substituir a infraestrutura existente de uma cidade é não só pouco realista em termos de custo e de prazo como praticamente impossível. No entanto, fazendo uso de avanços tecnológicos recentes, podemos dar às nossas actuais infraestruturas uma nova inteligência que lhes permite prestar um melhor serviço á sociedade. Isso significa digitalizar e ligar os nossos sistemas entre si para que eles possam captar, analisar e integrar dados, de forma a responder com inteligência às necessidades dos cidadãos. Em resumo, podemos revitalizar as cidades, para que elas se possam tornar mais inteligentes e mais eficientes.
Um dos termos mais característicos que utiliza:
“Cidades Inteligentes”

Mário Alves, falou sobre a perda de qualidade dos espaços de encontro, resultantes do facto de termos colocado durante as últimas décadas a mobilidade como a prioridade a assegurar a todo o custo.
A qualidade do acesso é um melhor indicador de equidade e bem-estar do que a quantidade de movimento (mobilidade). Só a qualidade dos espaços de encontro em sítio público e compacto, permite o verdadeiro acesso e interacção entre comunidades (gerações, classes sociais…). Por exemplo, sem elevados graus de acessibilidade, o cidadão isola-se, deixa de se sentir parte da “coisa pública” e deixa de participar em “causas comuns”.
No entanto, nas últimas décadas algumas cidades conseguiram com criatividade e imaginação reconquistar espaço público para as pessoas e ter estratégias para aumentar a diversidade funcional e assim conseguir um presente mais harmonioso. Estas cidades demonstram que com uma liderança politica forte e visões partilhadas e participadas de futuro é possível ambicionar cidades compactas, multi-funcionais e consequentemente mais sustentáveis.
Uma das suas frases mais características:
“…uma das formas mais simples de medir a saúde de uma democracia é através da dimensão e respeito dos passeios.”

João Ferreira Nunes, falou sobre a paisagem como tecido relacional activo, em que a materialidade das soluções, a sua permanência no tempo e a sua durabilidade física são função da intensidade da convicção das soluções propostas ou da espessura da ingenuidade com que se entenderam como eternos quer os problemas, quer as soluções para eles, quer mesmo, as marcas físicas dessas soluções. Cada momento tem os seus problemas urgentes e o mundo redesenha-se para os resolver.
A paisagem torna-se assim, em cada momento da história do Homem, um retrato do funcionamento das comunidades geracionais, das suas opções, valores e cuidados. E, por estar associada às marcas de cada momento geracional, a paisagem encontra-se profundamente relacionada com o conceito de transformação.

Uma das suas frases mais características:
“O Homem precisa de transformar o seu território.”