É preciso acordar e voltar ao mar!

Foram recentemente escolhidos os projectos vencedores do Fundo InAqua criado para estimular o setor
empresarial e a sociedade civil a envolverem-se na conservação dos oceanos. Fica a conversa com João Falcato, num encontro que começou no Oceanário, percorreu os oceanos, o passado e o futuro do mundo e quando voltámos, demos com um Portugal  com 95% do seu território submerso no atlântico.

Fale-nos um pouco sobre este projecto.
O “InAqua – Fundo de Conservação by Oceanário de Lisboa e National Geographic Channel” é uma plataforma que permite que o Oceanário e os seus parceiros possam estimular o setor empresarial e a sociedade civil a envolverem-se ativamente na conservação dos ecossistemas aquáticos. A nossa actividade não se desenvolve apenas neste grande aquário que bem conhecem.
O Oceanário tem uma missão muito ambiciosa, a conservação dos oceanos através da sensibilização do público para a necessidade de alteração de comportamentos face ao património natural.
Dividimos esta missão em três pilares principais: o contributo para a sobrevivência da biodiversidade existente; o combate às causas de redução da biodiversidade e eco-gestão do nosso equipamento. O InAqua enquadra-se no primeiro pilar.
O crescimento e evolução do Oceanário enquadra-se em três fases principais: a manutenção da qualidade da exposição; o exercício de crescermos financeiramente sustentáveis (hoje somos uma empresa com resultados financeiros muito agradáveis) e a terceira, que teve início em 2006, que foi o desenvolvimento da nossa missão. A missão é a razão da nossa existência: a conservação dos Oceanos. Que é uma missão, sem fins lucrativos,  onde investimos cerca de 200 mil euros anualmente, graças aos resultados dessa boa gestão. No entanto, a missão estende-se a todo o âmbito da nossa atividade, desde o programa de educação, a projetos de responsabilidade social e ambiental até à excelência da nossa exposição.

Esta primeira edição do Fundo só foi possível através do envolvimento e do apoio da Throttleman.
O InAqua surgiu da necessidade de tentar envolver cada vez mais pessoas e empresas na conservação dos ecossistemas aquáticos.
Queremos ter mais entidades e pessoas diferentes a trabalharem e a envolverem-se nesta missão. A visibilidade é essencial e para uma empresa financiar o Fundo tem que conseguir ter visibilidade e tem que conseguir que os seus clientes percebam quais as razões para se estarem a envolver. Funcionou bem neste primeiro ano, apesar de sabermos que vivemos num período difícil para termos empresas a investirem nestas causas, mas correu bem e acredito que vai continuar a correr bem.

Se lhe perguntassem quais os princípios mais importantes para gerir o novo mundo?
Acho que uma das bases fundamentais é trabalhar o bem comum e não o bem individual. Vermos o que é melhor para o planeta de uma forma global. Penso que a solução seja por aí.

E Portugal?
Um dos grandes potenciais que Portugal tem é o mar e não está a ser aproveitado convenientemente. Temos que olhar para Portugal como um país cujo território marinho é 18 vezes superior ao território terrestre. Com a extensão da plataforma continental das 200 para as 350 milhas poderemos vir a aumentar o nosso território em 2.150 milhões de quilómetros quadrados. É algo com um potencial de desenvolvimento enorme a que nos temos claramente que agarrar. Virámos as costas ao mar em meados dos anos 70, deixámos de ter a cultura do mar, apesar de o povo português achar que somos um povo de mar, mas não. Hoje em dia essa cultura baseia-se em ir à praia. Temos que mudar isso. Se nos virarmos para o mar, deixamos de ser um país periférico e passamos a ser um país central, com uma posição geográfica estratégica para a economia do mar onde tudo se poderá cruzar. Temos um potencial enorme.

O que pode mudar com o alargamento da plataforma?
Nem precisamos de chegar a esse alargamento para fazer sentido tudo o que foi dito. Sem esse alargamento já temos 18 vezes mais território marinho do que território terrestre. O potencial alargamento da plataforma representará novas áreas de exploração, novos recursos por descobrir principalmente no fundo do oceano. Ao avançar para isto estamos a salvaguardar o nosso futuro para daqui a duas décadas. Não é algo imediato. Hoje em dia apenas o Brasil começa a trabalhar nestas áreas e daí que a nossa aproximação e um trabalho conjunto faça todo o sentido. Mas não podemos pensar que se conseguirmos a extensão da plataforma, de repente, estamos ricos! Não. Será um investimento a longo prazo.

E em relação ao estudo sobre a Economia do Mar feito pelo Prof. Ernâni Lopes?
O estudo feito pelo Prof. Ernâni Lopes aborda doze clusters do mar, como o turismo náutico, de elevadíssimo potencial, a energia, a aquacultura, a biotecnologia, os portos e transportes marítimos como sectores e recursos onde assentar o crescimento económico do futuro. É preciso dinheiro, investimento e empreendedorismo. Mas a economia do mar está, sem dúvida, em cima da mesa.

É esse o nosso escape?
Quero acreditar que sim, para bem das gerações futuras!
Temos que nos especializar. Hoje em dia, num mundo global, ou os países se especializam em algo ou então não se especializam e têm que competir pelos preços da mão-de-obra e Portugal, nesse aspecto, está em desvantagem. A especialização é fundamental. É fundamental que Portugal seja especialista em economia do mar.

Vamos voltar aos descobrimentos, fazer escola, ensinar, formar…
Nós sempre tivemos sucesso com o mar. Está na altura de acordarmos e de nos voltarmos para ele!

De que forma se ligam com outras entidades?
Tentamos ser uma plataforma. Na maior parte dos projectos em que nos envolvemos não queremos ser nós a executá-los na sua totalidade. Queremos ser nós a potenciar o seu desenvolvimento, através da nossa interacção com várias instituições diferentes. Tal como acontece com o Human Habitat, com o InAqua ou com o Concurso InPAR. Tentamos ser a plataforma neutra que contribui para que as coisas venham a acontecer. Muitos dos projectos de conservação que apoiamos são projectos que, por exemplo, iniciaram com um apoio do Oceanário de 10 mil euros e que são hoje projectos que reúnem financiamentos de 200, 300 mil euros por ano. Procuramos ser potenciadores destes projectos.

Em relação à conservação dos oceanos, que ideia acha que as pessoas têm do cenário actual?
Ainda estamos numa fase de acordar para os problemas que vamos ter de resolver nos próximos anos…

É negação ou falta de informação?
Falta de informação. Há muitas coisas a que tem que se ter atenção agora. Primeiro, a crise económica, que tem um impacto muito maior. Depois, houve o acordar para as alterações climáticas que foi uma coisa fantástica, em 6 anos saiu de um estado de desconhecimento total e, de repente, está em cima da mesa com toda a mediatização. A nível dos oceanos, estes representam uma fonte fundamental de recursos alimentares mas que neste momento está em declínio o que representará, no futuro, um grande problema a nível global.  

Qual vai ser o problema?
Apesar do peixe ser um recurso renovável, atingimos o limite máximo de produção nos anos 90. A capacidade máxima de produção anda à volta dos 90 milhões de toneladas por ano. Não é possível retirarmos mais. Há um problema económico inerente ao investimento financeiro e ao lucro desta actividade.
Há prejuízo. É algo complexo. Fala-se hoje muito na aquacultura como uma solução, mas não é neste momento. A aquacultura é uma transformação de biomassa barata em biomassa cara. Para produzirmos um quilo de peixe na aquacultura precisamos de 1,2 quilos de outro tipo de farinha de peixe para o produzirmos. Ou seja, é algo que não está resolvido.

E se for no mar?
Não é uma questão de localização mas sim a forma como produzimos e o que produzimos.
Basta imaginarmos a produção animal que fazemos em terra, de vacas, porcos, galinhas, etc… Produzimos herbívoros e não carnívoros. Produzir tigres para consumo humano não seria eficiente ao nível energético. O que acontece na aquacultura é que andamos a produzir espécies que estão próximo ou no topo da cadeia alimentar. Cada vez que se sobe um degrau na cadeia alimentar só 10% da energia é que passa, perde-se energia. Estamos a consumir mais biomassa do que produzimos. Não é sustentável. Com a evolução poderemos chegar a uma produção mais sustentável mas ainda precisamos de mais tempo.

Como?
Substituir a farinha de peixe nas rações. Fazer com que os peixes carnívoros passem a comer rações com menos farinha de peixe ou passarmos a produzir peixes herbívoros que gostemos de comer. Tendo em conta que o consumo de peixe de aquacultura tem vindo a aumentar será fundamental repensar a forma como se produz e a sua rentabilidade. Sabe-se qual a solução para este problema mas ainda não se conseguiu aplicá-la. Estas contingências levam o seu tempo para serem resolvidas e ultrapassadas.

Como o podemos ultrapassar?
É uma questão de resolução económica. Têm que se ajustar. Como todas as indústrias o fazem sempre que passam por momentos como este. Vamos conseguir. A questão é que sabemos que estamos a colocar neste planeta um bilião de pessoas em cada 12 anos. O primeiro bilião demorou cerca de 100 mil anos e agora, em cada 12 anos, estamos a colocar mais um bilião… alimentá-los não é nada fácil.

Que cenário vê daqui a 20 anos?
O cenário vai ser complicado. Acho que as pessoas ainda se têm de aperceber de algo que é muito importante: nós, os seres humanos, temos a mania que as coisas nos servem a nós e que não somos nós que as servimos. Com a natureza é exatamente o oposto, ela não precisa de nós para nada. Cerca de 99,9% das espécies que existiram desde a origem do planeta já não existem. Ao longo da vida deste planeta houve alterações dramáticas e a natureza sempre se modificou, adaptou-se e seguiu em frente. Não precisa do homem literalmente para nada. Quem precisa dela tal como está hoje somos nós! Ou seja, até chegarmos a este nível de percepção, que quem está aqui em risco somos nós, vai ter que haver uma evolução de mentalidades.

Vamos conseguir?
Acredito que conseguiremos. Quem olhar para o que foi feito a nível de conservação da natureza nos últimos 10 anos, percebe do que somos capazes. A questão é que é a economia que impulsiona todas as actividades. O grande potencial nas próximas duas décadas é dirigir a sociedade para a sustentabilidade. A sustentabilidade poderá representar um negócio fantástico, tudo o que tem que ser feito para passarmos a ser sustentáveis tem um potencial económico muito grande. A economia do futuro pode ter como base, claramente, essa alteração que temos que fazer para nos tornarmos sustentáveis, a nível da construção, das energias, etc… Nós sabemos, não podemos ser naífes, que é através da economia que as coisas mudam.