E Agora?

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Então e agora não dizes nada? Mesmo depois de eu te perguntar o que é que achas que aconteceu mesmo? Sim mesmo! Vamos deixar-nos de falsas questões ou de frases criadas por nós há tantos anos atrás que, e não posso ser mais sincero, já nem me lembro do seu verdadeiro significado, apenas as repito como se já fizessem parte.

É engraçado porque eram precisamente as nossas diferenças que, no início, nos uniram e hoje são elas que nos afastam. Será que são apenas as diferenças que nos afastam agora? Não sei… tu sabes? Provavelmente não. Eu achava piada na altura e todos os nossos amigos… espectadores também. Deliciados batiam palmas e pediam “encores” dizendo que a nossa unicidade era a maior. Se calhar ficámos velhos e o nosso reportório secou. Sim, porque já faz muito tempo que não conseguimos entreter alguém. Ou se calhar apercebo-nos que a paixão que tínhamos pelo Paul Newman e pela Elisabeth Taylor no Gata em Telhado de Zinco Quente partia de princípios diferentes. Estás a rir-te?! Achas que é psicologica barata?! Então diz-me porque é que tu e eu gostávamos tanto daquele Tennesse Williams, achando que nenhum casal, tão transtornado como aquele, poderia ser tão cru e verdadeiro? E agora achas entediante o barulho do gelo a rodar no copo de whisky dele. Porque é que subitamente aquele filme deixou de ter significado para ti? É ridículo não é? Mas podes acreditar que as respostas estão todas nos filmes que vemos. Uma frase, um gesto, um frame podem mudar as nossas vidas para sempre.

Eles são grandes responsáveis por aquilo que nós somos. São eles que correm nas nossas veias… pelo menos era assim que tu pensavas. E o facto é que aquele filme mantém a mesma carga hipnótica sobre mim e deixou de fazer qualquer sentido para ti. Se calhar tu transformaste-te e estás à espera que eu mude também e que me adapte à tua nova pessoa.

E agora? Dizes tu ou digo eu? Sim… aos nossos filhos. Àqueles cujas primeiras palavras foram mãe e pai. Àqueles por quem as nossas vidas passaram unicamente a existir. Ou se quiseres àqueles a quem mostrávamos o filme do nosso casamento e eles perguntavam porque é que tu choravas ao ouvir as palavras do Padre que nos casou. Lembras-te da tua resposta? “É por isso que as histórias de encantar existem e são escritas. É uma dança entre o verdadeiro e o mundo da fantasia em que nós nunca sabemos onde é que cada um começa ou acaba.”E agora, será que vão deixar de acreditar nas histórias que nós lhes líamos… ou, simplesmente, deixar de acreditar em nós… ou no amor? Como é que pretendes fazer? Dizes-lhes tu… ou eu? Preferes reescrever a história ou simplesmente dizer que não estávamos à altura? Por mim… E então já fazes ideia do que aconteceu? À partida sabíamos que muitas coisas iriam mudar e que envelhecer iria ter sempre o seu Inverno… pelo menos uma vez por ano. Mas quantos Invernos é que passaram e olhavam para nós e simplesmente já nos declaravam um caso perdido?

Quando é que sabemos qual é a altura certa para desistir ou para continuar a lutar? Essa fronteira existe? E eu continuo a olhar para aquele retrato dos meus avós e a ver que não existe princípio nem fim. E depois olho para a Catarina e continuo sem acertar à primeira com o nome do terceiro marido.Tenho sempre que passar pelos nomes dos outros dois. E ela ri-se e agarra-o como se estivesse mais feliz do que nunca. Como se estivesse, cada vez mais, próxima do certo. Sempre feliz a Catarina. E sempre mais nova como se os anos passassem por ela… sem Invernos. E nós sempre à espera que chegue o Verão, fazendo sacrifícios, acumulando provisões… até ficarmos velhos e já sem forças para os gozar ou simplesmente porque eles ficaram passados como um vinho velho… de mais. Onde é que está escrito que deveria ser assim? É que se não está escrito em lado algum quero tentar perceber o que é que andámos a fazer durante este tempo todo. Diz-me que fomos enganados. Prefiro que me digas que fomos enganados do que pensar que, simplesmente, falhámos. Lembras-te do preciso momento em que tu… ou eu deixámos de olhar um para o outro apenas por hábito? Ou quando é que foi a última vez que perdeste tempo a ver-me a dormir… quando é que o meu ressonar deixou de ser engraçado e se tornou numa má noite de sono para ti? E eu agora acordo e tu nunca lá estás para me ver. A nossa cama fica vazia sem ti. E o pior é que parece que estás a desaparecer. Quando fecho os olhos, por vezes, já não consigo desenhar o teu rosto. Por onde é que andas?

O homem coloca uma dúzia de flores vermelhas no chão. Afasta-se com os olhos húmidos deslocando-se como se não tivesse destino. Para trás fica a imagem das flores ao lado de uma pedra onde está, simplesmente, escrito: Elisabete 1976-2001…

Miguel Meneses