Correio do Leitor

Olá, Rita.

Gosto sempre de ler a sua coluna do Notícias do Parque e aproveito para agradecer o importante contributo que traz para a discussão dos problemas, realidades e oportunidades da zona sul.

Um tema recorrente é o “estacionamento” e é sobre este que gostaria de fazer alguns comentários.

É comum as pessoas apontarem como solução/sugestão que “deveria haver mais estacionamento”. Isto em si só não é nenhuma solução, pois não indica como colocar em prática. Mas seguindo esta linha, como resolver este problema? Derrubando as árvores que intervalam os lugares de estacionamento? Ganharíamos alguns lugares, mas perderíamos um activo incomparavelmente mais valioso e necessário: a sombra das árvores e as suas propriedades regeneradoras de ar respirável e de controlo da temperatura do planeta, só para mencionar dois aspectos. Deveríamos abdicar dos jardins e outros espaços de lazer para construir mais estacionamentos? Também não há dúvidas de que ficaríamos todos a perder. Refere a construção dum parque de estacionamento em frente à escola Parque das Nações. Onde precisamente se localizaria e que área ocuparia?

Realmente temos um problema complicado para resolver. Mas será que apenas criar mais estacionamento vai resolver alguma coisa?
As nossas ruas da zona sul já são diariamente invadidas por estacionamento ilegal nas quatro esquinas de cada cruzamento, impedindo a visibilidade e colocando em risco todos os utilizadores da via pública: outros veículos motorizados, bicicletas, peões e principalmente crianças e idosos. Os carros em segunda fila tornaram-se a norma e impedem a visibilidade das passadeiras, situação agravada com a proliferação de carros mais altos (monovolumes e SUVs). Os veículos maiores, que abastecem o comércio local ou vêm recolher os ecopontos, não conseguem circular e já assisti, mais que uma vez, a terem que fazer inúmeras manobras ou simplesmente esperar até que chegue o condutor dum dos veículos estacionados nas esquinas, para poderem passar.
Se criarmos apenas mais estacionamento (onde não sei), apenas vamos convidar mais carros para as nossas ruas.
E será que esses carros contribuem de facto para o “comércio local” e para a “vida de bairro”? Verifico que uma grande percentagem é de pessoas que aqui trabalham, chegam de manhã, abandonam os carros o dia todo no mesmo lugar e só os levantam ao final do dia. Temos portanto lugares cativos, o dia inteiro, que impedem a rotatividade que beneficiaria o “comércio local”. Arrisco mesmo dizer que é precisamente este tipo de estacionamento “a custo zero” que “asfixia” o nosso “comércio local” e impede-o de ser saudável e normal. Se os lugares estão ocupados todo o dia, sem se mexerem, ninguém no seu bom senso se predispõe a deslocar-se de carro para aqui vir fazer compras, uma vez que não vai encontrar lugares disponíveis.

Temos então um problema dum recurso (lugares livres) em que a procura largamente supera a oferta. A única solução, a meu ver, é a colocação de “parquímetros” e fiscalização apertada em toda a zona sul e afirmo-o com base na experiência. Até há cerca de 2 anos o estacionamento em frente à Cineteka era a “custo zero” e sem fiscalização. Os clientes do comércio local daquela zona nunca tinham lugares disponíveis e o estacionamento ilegal, na faixa de rodagem (junto ao separador central da Av. Mediterrâneo), impedia a visibilidade, provocando acidentes quase diários. Na zona sul só não existem mais acidentes, porque a configuração das ruas impede os carros de andarem a velocidades mais elevadas. Quando chegaram os parquímetros (e a fiscalização diária) torci o nariz, mas hoje acho que foi a melhor coisa que ali aconteceu. Agora as pessoas que querem utilizar o comércio local, de carro, têm sempre onde estacionar e os acidentes baixaram drasticamente (10 para 1). Claro que a partir das 19h e ao fim-de-semana volta o caos, mas já é um primeiro passo.

Outro efeito positivo é que quem vem trabalhar não o pode deixar de fazer só porque não tem onde estacionar o carro e começa a considerar outras opções. O Parque das Nações está muito bem servido de transportes públicos e tem um mega-estação que combina metro + comboios + autocarros.

Existe um estigma cultural numa generosa faixa da sociedade portuguesa que desconsidera o uso de transportes públicos.
Ainda no Domingo passado consegui convencer a família (3 adultos e 4 crianças) a ir para a praia de transportes (autocarro + comboio). Foram menos dois carros a entupir a zona da linha. E o que se vê mais nos transportes são famílias de estrangeiros (classe média-alta e com crianças), que nos seus países estão habituados a usar os transportes públicos e que aqui fazem o mesmo com grande naturalidade e satisfação. Aqui, a generalidade das famílias portuguesas que o fazem são as de baixo nível social, por falta de opção. As outras preferem enfrentar as enchentes de trânsito que nestes dias invadem o nosso litoral.

Outra questão é que as pessoas não gostam de fazer compras em ruas apinhadas de carros. Em várias cidades do país, as ruas de maior sucesso comercial são precisamente as que não têm carros e estão vedadas ao trânsito (Rua Augusta, por exemplo, e todas as ruas comparativas que existem por esse Portugal). E aqui concordo com o seu comentário de que a zona do Passeio do Adamastor tem condições ótimas para ser um local de centralidade e referência. Mas para isso acontecer, é necessário trazer mais pessoas à rua e não é de carro. É a pé ou de bicicleta. Muitos dos nossos vizinhos estão habituados a mover-se entre garagens – da garagem de casa, à garagem do shopping, à garagem do trabalho, … – sentados numa redoma que os separa da realidade. Aqui utilizo a frase do Tiago Cordeiro <http://p3.publico.pt/vicios/em-transito/7570/30diasapedalar-no-instagram>  “Temos uma mais real noção de escala e do próprio território quando o percorremos, principalmente, a pé ou de bicicleta. Arriscaria dizer que não pertencemos a um local se nos deslocamos nele sempre enfiados dentro de um carro”

Resumindo, da minha experiência, observação e leitura de artigos e estudos relacionados com esta problemática, os caminhos a seguir são:
– colocação de parquímetros e fiscalização do estacionamento ilegal – os primeiros 15 minutos deveriam ser grátis.
– incentivar as pessoas a usarem menos o carro e andarem mais a pé ou de bicicleta, ou de skate ou de patins.

Junto algumas fotografias ilustrativas.

Bom resto de semana 🙂

Gonçalo Peres