Conversa com…

Quando muitos querem sair… quando a confiança no país diminui… quando o futuro parece muito sombrio para a maioria dos Portugueses… há quem teime em ficar. Pedro Santos regressou a Portugal há cerca de ano e, para já, é aqui que quer ficar. É aqui que quer educar o filho. É aqui que quer aplicar tudo aquilo que aprendeu. O engenheiro informático, morador no Parque das Nações, é um dos fundadores do site All Desk, uma plataforma que permite encontrar um local de trabalho, à medida de cada um. O NP falou com ele e deixa-lhe a estória contada na primeira pessoa.

Percurso

Há muitas coisas que me levam onde estou. Em 2006 saí de Portugal. Fiz cá o bacharelato, mas sou bastante crítico da educação em Portugal, não da qualidade, mas da rigidez. Uma das razões que me levaram a sair foi o facto de sempre ter querido tirar um MBA. Saí para trabalhar e preparar a entrada na universidade e acabei por ser aceite numa das top ten do mundo, na Holanda, sem problema nenhum. Em Portugal não teria acontecido. Infelizmente a questão da rigidez não vai mudar tão depressa. Agora que sou pai penso que é mesmo necessário mudar. O meu filho tem um ano e meio e já consegue pegar num ipad ou num computador e fazer o que lhe apetece. No futuro, com o acesso à informação, que já existe, não vão querer decorar, vão querer ser criativos e raciocinar, nunca decorar. O nosso sistema de ensino vai ter sérios problemas com esta nova geração.
Saí de Portugal para Inglaterra, e de lá, por um acaso fui parar à Holanda onde trabalhei quatro anos e tirei o MBA, conheci a minha mulher, casei-me e tive um filho.
Há um ano atrás decidimos vir para Portugal, porque não queríamos educar o nosso filho na Holanda. Ele já fala três línguas, uma quarta seria complicado. Quando voltei já tinha vários projectos a correr. Tirei o MBA sempre com o intuito de criar uma empresa própria e, quando terminei, já estava preparado para estar parado durante uns tempos e ficar sem vencimento. Entretanto comecei a experimentar vários projectos, várias ideias que tinha na cabeça, umas resultaram mais ou menos, outras não resultaram de todo. Comecei também a trabalhar a partir de casa, algo a que não estava habituado. Pessoalmente não aconselho a ninguém… é complicado. A principal desvantagem é que não há separação entre vida pessoal e trabalho. Não me sentia isolado socialmente, mas havia a questão da estimulação de ideias. Falar com outras pessoas que estivessem a ter os mesmos problemas que eu estimulava novas soluções. Nessa altura era freelancer e fazia consultoria com start-ups. Foi isso que me levou ao Startup Coffee.
Comecei a experimentar vários conceitos para ver se algum deles se poderia tornar uma start-up. Actualmente, além da All Desk, acabei de lançar um livro e sou director de uma associação de empreendedorismo.

Um marco

A minha experiência levou-me ao Startup Coffee que é uma comunidade de start ups, empresas que têm um potencial mundial e que estão no início. Devido ao meu envolvimento nesta comunidade tive conhecimento de outra organização chamada Startup Weekend e que é uma ONG americana, que fomenta a criação de empresas num fim-de-semana. Na altura participei num dos eventos em Copenhaga, depois ganhei o de Londres e tornei-me organizador e facilitador desta organização. O último foi em Lisboa.
Em Amesterdão havia um café todas as quartas-feiras de manhã, organizado por um dos principais empreendedores, da Holanda, ao qual qualquer pessoa podia ir, tomar um café e conhecer outras pessoas, normalmente ao nível das novas tecnologias, mas havia um pouco de tudo. É mais fácil criar um web site do que criar um novo histamínico. É muito mais rápido. Num mês posso experimentar quatro ou cinco conceitos para ver se funcionam, enquanto que, se quiser experimentar uma nova droga, ou abrir um café, demoro meses ou anos, além de que o dinheiro envolvido é muito diferente. Quando pensei voltar para Portugal comecei a ver o que poderia fazer para fomentar este tipo de ambiente porque sabia que cá não havia nada, ou pelo menos, na altura em que saí, não havia nada. Então criei cá exactamente o mesmo que existe na Holanda, e em outros países, o Startup Coffee. Trouxe também o Startup Weekend para Portugal. O primeiro café foi na Marina do Parque das Nações, no dia seguinte à minha chegada a Portugal, e apareceram cerca de 20 pessoas. Uma das pessoas que conheci nessa ocasião foi o Rui Aires, um dos co-fundadores da All Desk.

A ideia

Eu não queria trabalhar em casa, mas perto de casa. Estava habituado a ir de bicicleta e não queria ter que passar uma hora no carro para chegar ao trabalho. No primeiro Startup Coffee, em tom de brincadeira, olhei para o Edifício Nau, da Marina do PN,  e pensei criar ali um espaço de co-work, resolvia o meu problema e ficava com um negócio. O Rui Aires achou piada e começámos a discutir como é que seria. Ainda não fazia ideia do que havia em Portugal nessa área, mas esta ideia ficou desse café.
Na altura havia dois espaços de co-work em Lisboa, um na Avenida da Liberdade e outro em Alcântara. Eram longe da minha casa, logo não viabilizavam a ideia. Contactei a marina, analisei a parte financeira e verifiquei que precisava de ter uma taxa média de ocupação na ordem dos 98%, ao longo de 12 meses, para que fosse viável. Daqui surgiu a ideia de que talvez fosse preferível ter um espaço de co-work em qualquer sítio em que quiséssemos estar e não termos uma renda fixa. Inicialmente pensámos fazer um acordo com o dono do espaço, uma coisa desse estilo. Entretanto lembrei-me de que havia imensos espaços livres e resolvi propor às pessoas que tinham esses espaços que fizessem o que na altura  chamava um mini co-work. Fazermos um espaço de trabalho em qualquer lugar, mesmo em sítios que sejam diferentes, como por exemplo um clube de golfe com vista para o green. É um espaço diferente, não é um espaço de trabalho normal. Esta foi a génese da ideia. As ideias são fáceis, depois para as pôr em prática é uma conjugação de coragem, perseverança e pura teimosia.
O Rui sempre tinha trabalhado com um empreendedor chamado Marco de Abreu, que já tinha muita experiência a criar empresas, e que nos ajudou a pensar a implementação da ideia que tínhamos. Acabou também por se juntar à sociedade. Só nos faltava alguém que tivesse algum conhecimento de trabalho partilhado, de tendências, do que estava a acontecer. Foi então que falei com o Fernando Mendes do Cowork Lisboa. Ele gostou muito da ideia e viu logo o potencial do projecto. Tornámo-nos, então, os quatro fundadores do conceito.
Na altura estava tudo em papel, em rascunhos…Quando nos juntámos, criámos a empresa e fizemos o protótipo do site que já está no ar e do qual estamos agora a trabalhar na versão final. No início, embora não tivesse todas as funcionalidades que pretendíamos, deu para provar o conceito. Temos a sorte de cada um de nós vir de áreas diferentes. O Fernando, além da área do Cowork é da área do design e foi o criador do nome da empresa. O facto de termos uma equipa tão redonda torna muito fácil fazer coisas. Eu chamo-me o CIO (Chef Indian Officer) por piada, porque achei que títulos numa empresa tão pequena não faziam sentido. Aliás cada um tem um título deste género, que são para brincar connosco e também porque a maioria das empresas levam-se demasiado a sério. É uma ironia bem-disposta.

O concurso

Entretanto, apareceu no nosso radar um concurso internacional do MIT/ISCTE, que tentava promover o empreendedorismo em Portugal e que atribuía aos finalistas 100 mil € de prémio e ao vencedor final 200 mil €. Sendo que ainda existia a possibilidade de dobrar. Este prémio tem por trás a Caixa Geral de Depósitos (CGD) com o programa Empreende Mais. Na realidade não se trata de investimento, mas de um empréstimo com uma taxa extremamente baixa para uma empresa. Quando entrámos no concurso o objectivo não era ganhar, era apenas uma boa oportunidade para nos testarmos como equipa. Termos datas e objectivos para cumprir forçava o projecto a avançar mais depressa. Na altura cada um estava entretido com outras coisas que lhes pagavam as contas. Ainda hoje só dois dos sócios é que estão no projecto a tempo inteiro. Entrámos num concurso que nos exigia muita energia e funcionámos muito bem como equipa. Como estávamos em part-time, todo o tempo disponível para a All Desk acabou por ser aplicado no concurso o que nos levou a pensar que o concurso nos poderia estar a desviar do que era importante no nosso projecto, que era angariar clientes, angariar espaços e provar que o conceito funcionava. Como já tínhamos investido o suficiente resolvemos ir até ao fim. Começámos a pensar que só valeria a pena se ganhássemos, se não teria sido uma enorme perda de tempo. No início tentámos usar o concurso como forma de nos focar e na realidade, mas por causa da carga de trabalho e do pouco tempo que tínhamos acabava por nos desviar do objectivo. Por nossa culpa, da nossa pouca disponibilidade.
A certo ponto começámos mesmo a apontar para ganhar, embora, por questões de personalidade, nenhum de nós consiga fazer nada que não seja a sério.
Acabámos por fazer parte dos quatro finalistas.
Nesta fase há uma negociação com a CGD para ver que objectivos é que temos que atingir, e em que altura, para que nos seja duplicado o prémio. Todas as quatro equipas finalistas podem hipoteticamente duplicar o prémio, se atingirem os objectivos negociados com a CGD, e em Fevereiro será anunciado o vencedor final. Nesta fase já não se trata de competição. A nível do nosso projecto, agora o nosso interesse é muito mais focarmo-nos no negócio e arranjar parceiros.

 

A empresa

Já temos um site que responde ao básico. O site novo, que estamos a desenvolver, ainda deve demorar pelo menos uns dois meses a estar operacional. Temo-nos focado muito mais em angariar espaços e temos tido bastante receptividade. Temos todo o tipo de espaços, como a Aldeia de Pedralva, uma aldeia típica que foi recuperada para turismo, na Carrapateira, próximo de Sagres. Mas, também, temos escritórios no Parque das Nações que são empresas de tradução e ONG’s, como a Ajuda de Mãe, que também é um espaço diferente. Ainda não temos entidades públicas como parceiros, mas estamos a tentar obter a ajuda da CGD que é a segunda entidade, logo a seguir à Igreja, com mais espaços disponíveis no país, portanto não há melhor parceiro para este projecto. O potencial desta rede é enorme, temos inclusive um espaço num mosteiro, em Óbidos, que é lindíssimo. Estes espaços estão distribuídos por todo o país e também já estamos presentes em Berlim. O objectivo da plataforma é que seja internacional, permitindo a flexibilidade de trabalhar em qualquer lugar no mundo. Pretendemos proporcionar o espaço ideal, mas personalizado para cada pessoa. Por exemplo, se for um arquitecto, provavelmente precisará de um estirador, se for um cozinheiro precisará de uma cozinha.
A ideia é proporcionar todo o tipo de espaços de trabalho para todo o tipo de profissões e permitir flexibilidade de localização trazendo as vantagens do conceito de co-work. Tentamos fazer uma correspondência entre os locais disponíveis e os profissionais que nos procuram. É quase um site de casamentos. Tentamos casar a personalidade da pessoa com o espaço onde vai trabalhar.
Nesta fase ainda somos nós a contactar os espaços, mas também já fomos contactados. Pretendemos ter espaços emblemáticos que provem o nosso conceito, que passem a nossa imagem. Já temos vários utilizadores do serviço e o que pagam varia com o espaço, mas geralmente é na ordem dos 10€/dia. Queremos ser uma empresa a nível global onde se podem encontrar locais de trabalho. A aposta ainda não está ganha porque a empresa ainda não é sustentável. Este negócio requer escala.

O país

Faz-se um bicho-de-sete-cabeças da burocracia em Portugal. Há muita burocracia, mas desde que envolva o estado, em qualquer país há burocracia e cá até é bastante rápido criar uma empresa. Cobramos uma comissão de 30% por reserva, mas se for uma ONG a comissão é apenas de 10%. Acho que este pendor social faz todo o sentido para a empresa. Sendo director de uma ONG (Beta –i),uma associação para fomentar o empreendedorismo, sei que não têm dinheiro. A minha missão pessoal, quando voltei para Portugal, era um pouco neste sentido, de mudança de mentalidades. Aliás, quando fui para fora, já pensava assim, mas concluí que estavam tão perdidos como nós. Simplesmente cá não temos escala ou porque somos desorganizados ou por uma série de outros motivos.
Acho que os portugueses têm uma capacidade de trabalho muito superior à que observei em muitos países em que trabalhei. As maiores lições de descoberta sobre o nosso povo acontecem quando vamos para fora. Dou muito mais valor às coisas de cá do que um português que nunca saiu. Há uma característica portuguesa que é o fado, as pessoas queixam-se muito, mas temos coisas excelentes. Não propriamente o tempo. Até acho que o tempo cá é mau, pelo simples facto de estarmos no Natal e estar um céu azul. Parece que estamos sempre na primavera. É-nos confortável viver assim, mas não temos que passar pelo frio do Inverno para ficarmos contentes quando chega a Primavera. Não valorizamos e isto traduz-se um pouco na nossa cultura.
Os portugueses são extremamente versáteis em situações em que não se sabe o que vai acontecer, a nível de trabalho. A situação actual é potencialmente a melhor fase que Portugal vai passar. É um pouco como a adolescência, imensas crises, tudo é um drama, mas a verdade é que a crise da adolescência é necessária para crescer. Portugal está nessa fase. Espero que toda esta crise faça com que as pessoas não se acomodem. É muito confortável queixarmo-nos e muito mais desconfortável fazer alguma coisa para mudar o que nos aborrece. Esta fase é muito importante para Portugal e, se calhar, é um mal que até veio por bem, para melhorar o país. Cá muita gente só faz o que o patrão manda, mas isso é mau. O patrão também é um ser humano e também erra, mas ninguém lhe diz simplesmente porque é o patrão. Na Holanda é exactamente o contrário. Algures no meio é o ideal.
Cá as pessoas têm uma capacidade de resolução de problemas, de imaginação e de criatividade que em muitos outros países não existe. Na cultura alemã, uma pessoa resolver um problema de uma forma criativa não é a forma natural, enquanto cá arranjamos sempre maneira de dar a volta. O lado mau é que não planeamos. Isso, também, tem muito a ver com o tempo. Os países nórdicos têm de planear tudo, se não corre muito mal. Nós não. Temos sempre bom tempo e quando chove já é um drama. A grande diferença nos melhores empreendedores do nosso país é a capacidade de planeamento aliada à capacidade de “desenrascanço”. A esse nível admiro Belmiro de Azevedo. A verdade é que dá trabalho a 3500 portugueses. Se tivéssemos dez iguais em Portugal, estávamos mesmo muito bem. Em relação à geração mais nova admiro o Ricardo Marvão.
Não é preciso um MBA para começar uma empresa. Uma pessoa aprende muito mais a fazer e a tentar resolver do que numa sala de aula. Quando se faz qualquer coisa fora da nossa zona de conforto, aí é que realmente aprendemos. Sair de Portugal é importante por isso, tira-nos completamente a rede de segurança. Cá, muitas vezes, a diferença de opinião é interpretada como conflito. Pelos cânones portugueses sou considerado demasiado directo, porque se alguém fizer alguma coisa que eu ache que está mal eu digo, sem problema algum. Uma das coisas que aprendi, lá fora, é que a pessoa pode interpretar como quiser, mas tento ser sempre construtivo e não utilizar a forma de confronto. Quando me conhecem percebem que é simplesmente uma forma mais eficiente que tenho de comunicar e de não perder tempo. São coisas deste tipo de que apenas nos apercebemos quando saímos de cá.
Não acho mal que as pessoas saiam de Portugal, pode ser mau no curto prazo, mas quando voltarem terão esta lição.
Acho que passámos duas gerações debaixo do Estado Novo que nos formataram um pouco a mentalidade e há muitas coisas que precisamos de desformatar. Todos os Portugueses que estão lá fora funcionam de maneira muito diferente dos que estão cá, tentam fazer qualquer coisa. Não ficam como espectadores. Toda a gente pode fazer tudo.
Vou ficar cá, mas também não faço planos. Não é obrigatório. A minha mulher é russa e o meu filho nasceu na Holanda, mas acho que Portugal tem mais oportunidades que qualquer outro país da Europa.