Conversa com…

É considerado um dos melhores criativos portugueses. Fundou com o sócio O Escritório, uma agência de possibilidades que fez recentemente o filme “a carteira da rivalidade”, para a Coca-Cola. Um sucesso viral elogiado em várias partes do mundo. Fica a conversa sobre o projecto, sobre a mudança e o que fazer para melhorar Portugal

Sempre quiseste ser criativo?
Tive um chefe que dizia que criativo é um adjectivo e não um substantivo. Nesta coisa da publicidade há o cargo de criativo, mas, na verdade, muitas vezes uma pessoa intitula-se de criativo sem o ser.  Não sei se sou criativo ou não. Sei que tenho um gosto muito grande em usar a criatividade para resolver problemas. E foi isso que me levou à publicidade. O maior gozo que tenho nisto que faço hoje é precisamente sentir que todos os problemas se resolvem de maneiras diferentes. Não há soluções pré-definidas ou, se há, não funcionam. Ter percebido isto e tentar resolver as coisas de maneira diferente é o mais engraçado. Houve um momento na minha vida em que me apercebi de que precisava de fazer uma coisa diferente. Tirei Ciências da Comunicação e a minha ideia era ser jornalista. A certa altura comecei a trabalhar na revista Super Jovem, fazia umas reportagens, entrevistava uns jogadores de futebol, actores, o que até era divertido, mas a determinada altura entrei numa rotina que me cansou. Faltava qualquer coisa. Foi então que resolvi fazer um estágio, como copywriter, numa agência de publicidade. Então descobri que aquilo é que tinha graça e que me divertia a fazê-lo. As coisas começaram a correr bem, as pessoas começaram a achar piada ao que eu fazia. E foi aí que pensei: “Queres ver que, de repente, divirto-me e ainda ganho dinheiro?” E, pronto, até hoje ainda não fui descoberto…

Fala-nos do teu percurso?
Comecei na Super Jovem, estive a estagiar como redactor na Ogilvy, onde fiquei durante 2 anos e meio, passei pela Publicis (1 ano),  depois pela BBDO (9 anos) e pela Ativism, como director criativo do grupo. Depois resolvi sair. Não foi para criar uma coisa minha porque não tenho, nem nunca tive a ambição de ser empresário. Mas tenho uma visão de como as coisas devem ser feitas e, na minha opinião por força das circunstâncias, nas agências, as coisas não são feitas como deviam. Quando tens uma empresa com 100 pessoas,  já não podes tomar decisões que tomarias se tivesses 10. Portanto, resolvi sair, andei uns meses na boa vida a pensar e tal, surgiram umas oportunidades muito engraçadas, mas eu e o Tiago (meu sócio) resolvemos arrancar com O Escritório.

Em Portugal as pessoas têm algum receio em arriscar…
Tenho vindo a descobrir que nem todas as pessoas têm medo de arriscar. É verdade que a maioria tem medo de arriscar, até porque isto não está para grandes maluqueiras, (aliás, é uma das razões pelas quais esta empresa é tão pequena, além da questão de queremos manter esta flexibilidade e agilidade). Mas há clientes que arriscam. A verdade é que desde que começámos ainda não ligámos a um único cliente e já temos trabalho que não acaba, projectos interessantíssimos que nos vão manter ocupados todo o ano.  E têm sido os clientes a abordarem-nos.

Sim, mas, na verdade, estás muito bem conotado no meio. Por exemplo, recentemente, o Pedro Bidarra, a maior referência da publicidade, em Portugal, referiu que és brilhante e um dos melhores com quem ele já trabalhou.
Vamos lá ver, é um mercado muito ágil e em constante mudança. A verdade é que encaro isto como uma maratona. Isto pode parecer um cliché, mas nós somos aquilo que vamos fazendo, ao longo dos anos. Somos uma soma de experiências e vivências. Aparece muita malta nova que faz uma ou outra coisa engraçada, mas que depois desaparece. Se fores fazendo as coisas com consistência é diferente. Desde que comecei, o meu foco tem sido “fazer bem feito”. Seja em que profissão for tu podes ter vários focos. O meu tem sido o trabalho. Cada desafio que me cai em cima da mesa eu tento resolvê-lo da melhor forma possível. Às vezes corre bem, outras nem por isso. O mais engraçado é que, quando chegou a altura de parar e de arrancar com um projecto próprio, descobrimos que as pessoas gostam de nós, do nosso trabalho. O que me dá uma confiança grande porque  sinto que não estou a enganar alguém, percebes? Se as pessoas vêm ter comigo é porque gostam do trabalho e isso é muito gratificante.

Fala-nos d´O Escritório.
É uma agência de possibilidades. Não é uma agência de publicidade, não é uma agência de activação, não é uma agência de branding, é uma agência de possibilidades no sentido em que, o que nós queremos é fazer acontecer as coisas da melhor forma possível. Tendo nós uma série de competências que fomos acumulando, também temos a humildade suficiente para reconhecer as competências que não temos. O princípio é: abordar os projectos num formato flexível e de forma descomprometida. Olhar para os problemas como eles são. Há uma máxima que ilustra perfeitamente aquilo que me parece ser o problema de muitas agências de publicidade e comunicação, hoje em dia. “Quando o que tu tens é um martelo todos os problemas te parecem pregos”. É um bocadinho isso que acontece. É como lidam com o problema. Aparece um problema e eles respondem automaticamente: “O que precisas é de uma campanha de publicidade”.
Não queremos funcionar assim. A verdade é que hoje, para abordares os problemas de uma forma fresca e sempre diferente, das duas uma: ou tens uma agência com centenas de pessoas ou trabalhas em parcerias e vais montando equipas em função dos problemas. Foi esse o caminho que seguimos. Sem a presunção de acharmos que estamos a fazer algo de extraordinariamente novo. O que fizemos foi olhar para o mercado, com base no que lemos, no que sabemos, no que fazemos. Com flexibilidade mental para nos irmos adaptando ao longo do tempo.

Está muita coisa a mudar. É uma mudança ou uma fase?
Está a mudar. Definitivamente.

Para melhor ou pior?
Acho que pode ser encarado como uma catástrofe ou como um desafio estimulante. Percebo que as grandes estruturas que estão montadas, assim como uma fábrica que tem as máquinas preparadas para fazer um produto que deixa de ter procura, têm um problema. Têm que despedir as pessoas, vender o material, etc.. Na verdade, na comunicação, não é muito diferente. Tens pessoas e processos definidos para um determinado tipo de output e, de repente, já não é isso que funciona, já não é isso que se procura. E isso não é nada fácil. O facto de me ter despedido, sem saber para onde ia, mas com a convicção de que tinha que sair e partir para outra, parece um acto de coragem, mas também pode ser visto como um acto de cobardia. Em vez de tentar mudar uma estrutura de duzentas e tal pessoas, saio e começo de novo. É sempre mais fácil.

O que está a mudar?
Nesta área, tudo. A relação entre as pessoas, a relação das pessoas com os media… Todos os players do mercado da comunicação. Na base disto está uma mudança de mentalidade, de estilos de vida. As pessoas já não olham para publicidade e para comunicação como olhavam. Já não estão sentadas em frente à televisão, a noite toda, a consumir aquilo que lhes dão. Elas podem estar em frente à televisão, mas agora estão no iphone, no ipad, no computador, no facebook, 24 horas por dia. Tu tens que chegar às pessoas de outra maneira. A única certeza que tenho é que ou tu és interessante ou bem podes tentar impingir o que quiseres que ninguém te vai ligar nenhuma. Ou és assunto ou não és. Eu gosto muito da expressão inglesa “remarkable” que significa “something worth making a remark about”. Remarkable não é “fantástico” é algo que justifica um comentário. Ou fazes algo que gera conversa ou não. E foi essa a virtude de um filme recente que fizemos para a Coca-Cola, chamado a carteira de rivalidade. Teve o sucesso viral que teve porque tinha os ingredientes todos para correr bem e que a tornam num assunto. Até o Marcelo Rebelo de Sousa falou disso.
Não é uma peça de comunicação umbigista onde a Coca-Cola diz: “Nós somos muito bons”. A Coca-cola pegou num insight sobre a vida, sobre a rivalidade entre clubes, sobre a bondade das pessoas e fez uma campanha de comunicação relevante. A verdade é que aquilo tem servido de exemplo para várias coisas e as pessoas conversam sobre o tema. Foi muito além da venda de um refrigerante.  Claro está que quando tu começas uma peça de comunicação a  perguntar “se encontrasses uma carteira na véspera de um dérbi, com um bilhete da equipa rival lá dentro, devolvias?” Já agarraste a pessoa! Ela agora vai querer saber o fim da história. Tinha os ingredientes todos que tinha que ter e, modéstia à parte, é uma estória bem contada. Pusemos ali tudo aquilo que sabemos sobre comunicação, com base na experiência que temos. É um mercado, uma indústria, ainda, muito pouco científica. Há, de facto, estudos, dados estatísticos, testes, mas na verdade temos que arriscar e a intuição tem um peso muito grande. O ser criativo tem muito de intuitivo. Tens um feeling se aquilo vai correr bem ou não. A verdade é que quando fechámos a peça dissemos: “É isto. É esta a história que temos que contar”. Apesar de já sentirmos que os ingredientes eram aqueles, ainda bem que a intuição estava certa.

Carteira da Rivalidade – Coca-Cola

Qual foi o impacto que teve?
É um caso extraordinário de sucesso com centenas de milhares de visualizações. Já foi para o Brasil, Inglaterra, Espanha, enfim, está a viajar na net porque é uma história relevante, em qualquer lado do mundo. No Brasil já não interessa se é o Benfica – Sporting. As pessoas agarram-se ao que está por trás. O que é engraçado é que já existem clientes a dizerem a colegas nossos que querem “uma coisa destas”. De repente, tornou-se num benchmark para outros clientes. Mais engraçado, ainda, é o investimento que teve que, comparado com um anúncio de televisão, é muito menor, mas com um retorno, para o cliente, fantástico.

Em relação a Portugal, o que se pode melhorar?
Acho que se pode melhorar muita coisa. Acho que temos um problema cultural, temos gente óptima, mas a nossa virtude (uma das) acaba de ser, também, o nosso problema. É o espírito desenrasca. Tenho algumas experiências internacionais e a verdade é que temos uma agilidade mental, para resolver problemas, que é muito engraçada e que vem da maneira portuguesa de fazer as coisas. Sabemos que não temos muitos meios, mas lá acabamos por resolver. De uma forma muito menos estruturada que os países nórdicos, do que os alemães ou americanos, que são muito mais regrados. Por outro lado, faltam-nos precisamente as regras. Além de uma falta de civismo cultural. Apesar de achar que não existem países perfeitos, há algumas coisas aqui que me entristecem. Gostava que fossemos um pouco mais cívicos. Dito isto, temos um país magnífico. Já tive solicitações para trabalhar lá fora… mas não me apetece. Não é conformismo, mas eu gosto da minha família, dos meus amigos, do sítio onde moro, da praia. Gosto disto. Não é conformismo, é valorizar o que temos. Prefiro ganhar menos, mas ter esta qualidade de vida, do que ganhar muito e sofrer com saudades de tudo isto. Acho que temos um país extraordinário.

As pessoas têm a tendência de culpar os outros…
Essa tendência do culpar os outros é outro dos nossos defeitos. A culpa nunca é nossa. Assim como temos um problema de falta de auto-estima. Quando estive em Sidney, apercebi-me de que os australianos são muito como nós, no gosto que temos em receber as pessoas. Receberam-me de braços abertos, não me deixavam ir a lado algum sozinho. É um gosto natural, cultural. O problema é que somos subservientes com os estrangeiros que cá vêm. Parece que gostamos de ser pisados. É um complexo de inferioridade crónico. Claro que esta crise não ajuda. Está a expor todas as nossas fragilidades.

O que se deve mudar?
Há problemas que são estruturais e que devem ser resolvidos por quem tem as rédeas do país, mas há outros que temos que ser nós a resolver. Problemas que partem da confiança, da atitude das pessoas, deixar de esperar que façam por mim e começar a agir. Temos que conseguir. O país não vai fechar. A classe política não entusiasma ninguém, agora, acho que há um trabalho que tem que ser feito. Aliás, eu não estaria a abrir uma empresa, nesta altura, se não acreditasse que era possível darmos a volta.  
Acho que a mudança é essa: não podemos ter ambição de mudar o Mundo inteiro, mas podemos ter a ambição de querer tocar no mundo que nos rodeia. Se fores relevante e na tua área de intervenção fores contagiando pessoa a pessoa, acho que se consegue. Aliás, nem é uma questão de achar ou não, tem mesmo que ser feito. É a única maneira. Porque senão desistimos todos. Eu percebo as manifestações e a revolta das pessoas, mas não tenho esse drive. Quando estou revoltado o meu primeiro impulso não é ir para a rua manifestar-me, mas fazer algo em relação a isso, dentro daquilo que eu sei fazer. É verdade que as coisas estão mal, mas temos que ser construtivos.

Mas sentes que estamos a criar um mundo melhor?
Sou sempre um optimista. Em relação a essa questão, tenho que ser honesto e dizer que não, que não acho que estejamos a caminhar para um mundo melhor. Estamos a cometer uma série de erros. Não é uma crise só económica, é uma crise de valores, de ética. Cada vez vejo menos notícias de propósito, mas quando as vejo a sensação que tenho é que se perdeu a vergonha. Não consigo é cruzar os braços e começar a queixar-me como vejo muita gente fazer. Não leva a lado algum. Tenho muitos colegas de profissão que só fazem isso: “…e pá, isto está muito mal, cada vez pior…”. Não consigo mesmo entrar nisso. É um túnel onde não me consigo meter porque não tem fim. Prefiro dizer: “Ok, isto é um problema. Perante isto o que vamos fazer?” Ninguém o vai resolver por nós.

Viam-se a trabalhar com políticos?
Era incapaz de trabalhar para um político em que não acreditasse.

Qual foi a tua campanha que mais te marcou?
Não é mesmo falsa modéstia, porque sinto mesmo isto, mas acho que nunca fiz nada fantástico. Fiz algumas campanhas com alguma notoriedade para a Olá, para o BES, para a Galp… Mas espero que o meu melhor trabalho ainda esteja para vir. Quero fazer algo que ainda não tenha sido feito. Continuo convencido de que sei fazer as coisas, mas que ainda não estão bem lá.

Mas sentes que estás na “praia certa”, que és dotado para isto…
Sempre senti que vou ser descoberto a qualquer altura(risos).

(risos) Porquê?
Estamos sempre à prova. Acontece-me todas as semanas. Nesta área não podes viver em função daquilo que fizeste. Até pelo carácter efémero do nosso trabalho. Eu posso fazer a melhor campanha do Mundo, mas, daqui a seis meses, já ninguém se lembra. No outro dia passou-se um episódio muito engraçado. O meu filho nasceu em 2004, quando foi feita a campanha do “Menos Ais”, para a Galp, que teve imenso sucesso. Ele pediu-me uma música para ouvir no iphone e eu tinha essa música e, por piada, dei-lhe a ouvir. Disse-lhe que tinha sido eu a fazer e, de repente, a música reentrou na minha vida. Ele ia para escola, todo contente, e até já sabia a música de cor, mostrava aos amigos etc.. Um dia chegou a casa, meio triste: “Pai, mostrei a música à minha professora, mas ela não a conhecia de lado nenhum”. É normal. As coisas passam. Queremos que elas perdurem o máximo de tempo possível mas é assim mesmo. Portanto o meu próximo trabalho é sempre aquele que vai decidir se eu continuo ou não a ser uma mais-valia. Essa pressão nunca desaparece. Continua sempre. E isso é a consistência de que te falei. Manter um nível de trabalho, com consistência, é que é importante para mim. O Escritório não tem a ambição de ser uma grande empresa e de estar eternamente no mercado. Sei que sou incapaz de fazer coisas de que não gosto e, no dia em que isso acontecer ou que acharmos que já não representamos uma mais-valia, vou arranjar outra coisa para fazer e tentar ser relevante, nessa área. Mas um dos pressupostos d´O Escritório não é estar cá muitos anos. É sermos uma empresa intensa, relevante, interessante para as pessoas, tentando fazer o melhor trabalho possível. As coisas estão a mudar e não podemos ter a mesma ambição, por exemplo, de uma empresa nascida em 1970.

Quem e o que te inspira?
Claramente a minha família. Algumas pessoas com quem me fui cruzando, mas nunca fui muito de ter ídolos. Inspira-me o bom trabalho, aquela inveja saudável que me leva a pensar “gostava de ter feito isto.”