Conversa com…

Começou a sua carreira como jornalista e chegou a passar pela revista norte-americana Time, em Nova Iorque. Em1988 fez a pesquisa que deu origem ao primeiro documento de apresentação da ideia da Expo’98. Como autora escreveu alguns  romances, livros infantis, uma biografia e uma novela. Produziu o programa de televisão Sexualidades e é, actulamente, editora da tão prestigiada revista Egoísta, um projecto editorial, da Estoril Sol, premiado mais de 40 vezes desde o seu lançamento, em 2000. Fica a conversa com Patrícia Reis que considera o Parque das Nações como “o lugar perfeito para viver em família.”

Jornalismo, novela, romances, biografia, livros infantis, a escrita é dominante na sua vida. Como começou tudo?
Tudo começou com uma máquina de escrever que o meu tio-avô me ofereceu. O fascínio pelas letras começou aí e a necessidade aguça o engenho, por isso, quando já tinha esgotado a biblioteca comecei a inventar as minhas histórias e a reler tudo o que apanhava em casa. Um livro novo era – e ainda é – um tesouro. Escrever começou por ser uma forma de ter mais histórias e depois, sem querer, passei a sentir a necessidade de escrever como forma de estar, de pensar, de rever as coisas da vida.
 
O que a atrai na escrita, na ficção?
O que mais me atrai é a possibilidade de, através da ficção, encontrar perguntas com as quais me identifico. Um grande romance é sempre uma interrogação e, ao mesmo tempo, um óptimo espelho das consciências e,  se o romance em causa for contemporâneo, o contexto histórico do que vivemos. Nunca me afastei desse registo de actualidade, de estar próxima do que sei, vejo e sinto. É-me mais confortável escrever sobre o que me interessa e está ao meu alcance. No limite, o mais interessante é escrever sobre os outros. O grande motor da nossa vida são sempre os outros, sejam eles quem forem.
 
Qual a diferença entre escrever para crianças e para adultos?
Os miúdos são mais generosos na leitura e a imaginação permite-lhes pegar numa história escrita por alguém e fazer o que lhes apetecer, de teatro a colagens. Esse lado é absolutamente fascinante e muito gratificante sempre que visito uma escola. Ao mesmo tempo, escrever para os mais novos é de uma enorme responsabilidade, não há espaço para erros ou ideias falsas. Com os adultos, a introspecção começa por ser um acto individual e, como sempre, a leitura pode variar de leitor para leitor.  O que me importa é o contar de uma história que, em primeiro lugar, é escrita para mim. Não penso no leitor quando escrevo, só depois no acto da revisão e na revisão de provas, de forma a garantir que há uma legibilidade face à mensagem que pretendo passar.

 

Quais são as recordações mais vivas da sua infância?
O meu tio-avô a fazer desenhos, a ouvir música e a dar-me livros de capas duras com nomes complicados para eu decifrar.

O que é que a inspira para a escrita?
A vida. Como todos os escritores, sou uma espécie de larápia da realidade certificada. Costumo dizer isto a brincar, no entanto, todos os escritores são coleccionadores da realidade e é impossível dizer que somos indiferentes ao que está à sua volta, seja em termos de acontecimentos ou de emoções.
 
E para a vida?
Os meus filhos são uma inspiração constante, o meu marido, as pessoas com quem trabalho, as pessoas que se cruzam por mim, tantas vezes por acidente, e que são generosas e partilham as suas histórias. A vida é uma montanha russa que pode ter mais ou menos adrenalina, mas é preciso saber viver com a ideia de que temos de desfrutar, não desperdiçar o tempo, já que a morte é uma inevitabilidade. Portanto, como muitos, penso que é melhor carregar baterias e viver numa toada mais positiva, sem que isto queira dizer que não tenha os meus momentos de tristeza ou de melancolia, os meus receios, os meus dias mais negros.
 
Como vê Portugal e os portugueses?
Vejo ao contrário da maioria das pessoas: é um pequeno país com grandes ideias e pessoas maravilhosas, capaz do impossível, com as fronteiras mais antigas da Europa e um espírito de aventura que a História ensina. Temos, é certo, no nosso ADN, algumas características infelizes, como a enorme vontade de nos queixarmos, não nos mobilizamos, mas pontificamos e dizemos mal. Dizer mal é uma forma de estar. Não somos pró-activos dentro de portas, apesar de sermos um povo com reconhecida capacidade de trabalho e adaptação no exterior, o que não deixa de ser curioso. Ao contrário de muitos, como dito inicialmente, não creio que possa partilhar da eterna insatisfação lusitana, sou capaz de fazer listas de coisas preciosas que só nós temos e, além disso, sinto-me profundamente europeia, nunca viveria nos Estados Unidos ou num país assim. Sou produto de uma sociedade judaico-cristã e gosto de ser europeia. Quando digo que sou portuguesa e estou fora do meu país é o equivalente a dizer que sou do mesmo país que Camões, que Pessoa, que Agustina Bessa Luís, que Sophia de Mello Breyner, que Graça Morais, que Maria João Pires, que Julião Sarmento, que… a lista é enorme e nem me meto no universo do futebol, por ter uma total distância desse fenómeno.

E Lisboa?
Lisboa é a minha cidade. Nasci na Avenida da República. Conheço a cidade como a palma das mãos e o rio faz parte de mim. Vivo perto do mar da palha, assim chamado por ficar cheio de pedaços de palha sempre que se transportava a mesma de uma margem para a outra, há séculos. Não sou fanática, nem fundamentalista. Há zonas do país que me comovem. O Porto é uma cidade única, tal como Évora. O interior é tão misterioso quanto o litoral, o português é que prefere ir para um resort com tudo incluído na República Dominicana. Nada contra a República Dominicana, mas já foram a Marvão ou ao Gerês?

E o nosso jornalismo e os media?
O jornalismo é hoje entendido como um negócio. Deixou de ser uma profissão de paixão, de ter esse lugar de nobreza e sentido de serviço público. Tenho carteira profissional há 25 anos, vivi experiências únicas e gosto muito de jornais e jornalistas (alguns), apesar disso acho que teria muita dificuldade em voltar a uma redacção. Já passou o meu tempo. Felizmente fiz parte da aventura única de fazer o semanário O Independente em 1988 e de fazer a produção do programa Sexualidades de Júlio Machado Vaz, assim como fiz, também no ano de 88, a pesquisa que deu origem ao primeiro documento de apresentação da ideia da expo’98, já prevendo que seria aqui, no Parque das Nações. Sempre disse que acabaria por viver aqui e cá estou.
 
Como editora de uma publicação tão premiada  e ímpar como a Revista Egoísta, o que acha que podia melhorar nos media portugueses (imprensa/televisão)?
O que podemos melhorar todos os dias? Como diz o poeta, podemos tentar falhar melhor. Dantes a verdade durava 24 horas, hoje está on line uma hora e foi-se, deixou de ser uma história. O jornalismo de investigação, infelizmente, perdeu-se quase na totalidade. As boas entrevistas idem. A Egoísta afasta-se deste universo por ser um veículo de comunicação de um grupo empresarial sem qualquer intuito jornalístico, antes literário e artístico.


 
A Egoísta recebe inúmeros prémios nacionais e internacionais. É reconhecida como um projecto editorial de excelência, dos melhores a nível mundial. Qual a chave de sucesso deste projecto?
Não faço ideia. Acho que a chave é mesmo essa: não fazemos ideia, tentamos fazer sempre melhor, superar a edição anterior, dar espaço a novos autores e artistas, pensar fora da caixa. Além disso, tenho de sublinhar que o Grupo Estoril Sol tem sido um parceiro ímpar neste desafio, sendo que o director da revista, Mário Assis Ferreira, tem connosco, o atelier 004 que faz a revista há 12 anos, uma relação de criatividade e motivação sem comparação. É um privilégio.
 
Este projecto é mais uma prova da excelência que Portugal pode e consegue produzir. Que este potencial existe já todos sabemos. O que falta, então, para o rentabilizarmos melhor?
Se nos queixarmos menos e fizermos mais? E se fizermos mais com menos? Não com a casca do ovo, mas com aquela película muito fina que separa a casca do próprio do ovo? Não há impossíveis, há apenas uma percepção limitada do que é possível e, como dito, os portugueses precisam de um motor de incentivo para partir para a acção, não somos um povo capaz de mobilizações de monta. As mentalidades precisam de mudar? Vão mudando. Não nos podemos esquecer de que a nossa democracia é jovem: vivemos há menos tempo em democracia do que vivemos num regime.

Se pudesse escrever um novo Portugal como seria?
Seria igual. Portugal não precisa de ser reescrito, tem uma História da qual todos nos podemos orgulhar, mesmo com os tempos complicados ou de austeridade. O que precisamos é de saber para onde queremos ir e perder a lógica de querer um emprego, para aderir à ideia de que é preciso trabalhar. Ao mesmo tempo, é crucial que as pessoas metam na cabeça que não precisamos que toda a população vá para a universidade, os cursos técnicos ou profissionalizantes também são uma mais-valia. António Barreto diz e eu subscrevo que dantes a universidade era vista como uma benesse, hoje é entendida como um direito. Deitamos cá para fora, por ano, vindos das diferentes universidades, cerca de 60 mil potenciais desempregados. Essa vertente precisa de ser reescrita com urgência.
 
Para terminar, em relação ao nosso Parque das Nações, do que gosta mais e o que pensa que pode ser melhorado?
A única coisa que me entristece no Parque das Nações, projecto que conheço desde sempre, tendo trabalhado muito para e na Expo’98 (escrevi pelo menos duas colecções de livros para a Expo, além de conteúdos para o pavilhão que representava o nosso país) é o estado miserável em que está o Pavilhão de Portugal, um projecto de dois grandes arquitectos, ambos premiados internacionalmente, várias vezes e com os maiores prémios da área da arquitectura. Dizem-me que se aluga para casamentos? Por favor. É um espaço de excelência que deveria ser potenciado como museu ou fundação aberta ao público. O que mais gosto em viver aqui? A ideia de viver num bairro à antiga por muito paradoxal que isto possa parecer: tenho chaves da casa dos meus vizinhos, mercearia aberta ao domingo, as pessoas do café conhecem os meus filhos e há uma convivência saudável entre as pessoas, sendo que temos aqui um índice muito baixo de criminalidade ou violência. Podia ser melhor? Não me parece. É um lugar perfeito para viver em família.