Arroz de polvo para 30

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Deixo apenas a ideia de que, por vezes, perdemos tempo com coisas que tão pouco tempo nosso merecem ter. Uma frase de um filme, de um livro, de uma pessoa na fila da mercearia, ou algo que nos disseram e que estava esquecido, pode merecer muito mais a nossa atenção, a nossa cabeça, a nossa discussão.

“Isso é o que saiu nos jornais, não sabemos se é verdade…” acabei eu de ouvir de um comentador sobre o caso das investigações da Secreta Espanhola em Portugal. Lembrei-me, logo, daqueles serões, em que, enquanto esperávamos que o polvo cozesse (qualquer ligação com a realidade é mera ficção) para aquelas grandes arrozadas de Verão, em que éramos entretidos pelo nosso grande amigo Tomás, que durante alguns anos, emprestou a Portugal o seu génio criativo em publicidade e que agora, de volta ao Brasil, em São Paulo, deixa grandes saudades. Um dos filmes publicitários que mais recordava era do jornal “Folha de São Paulo”, criado em 87 e um dos mais premiados até aos dias de hoje (vale a pena ir ver ao youtube). A voz-off vai descrevendo uma figura histórica ao mesmo tempo que o plano se vai afastando de uma fotografia que, pelo facto de a lente estar muito próxima, não conseguimos perceber quem é a pessoa em questão. Apenas no fim, quando a narração termina, é que a conseguimos identificar. A voz-off:”Este homem pegou numa nação destruída, recuperou a sua economia e devolveu o orgulho ao seu povo. Nos seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de 6 milhões para 900 mil. Fez o PIB crescer 102% e a renda, per capita, dobrar. Este homem adorava a música e a pintura e, enquanto jovem, imaginava seguir a carreira artística.” E, então, a descrição termina e com o plano já bem afastado da fotografia, conseguimos perceber, finalmente, que se trata de Hitler. É quando a voz-off remata ”É possível contar um monte de mentiras dizendo somente a verdade. Por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe. Folha de São Paulo, o jornal que mais se compra e que nunca se vende.” Confesso que já tinha escrito uma versão desta 2.ª parte do editorial, mas que acabei por abandonar. Falava da responsabilidade e seriedade que a comunicação social, dos políticos, das pessoas, em geral, deviam representar. Que já não se escreve apenas a preto e branco. Da força e da fragilidade da democracia (Até onde podemos ir?), da importância da essência do homem (no seu melhor e no seu pior) ser, naturalmente, assumida. Que existem Marcelos, Manuelas, Correios da Manhã e pessoas de boca aberta em frente à TV. Da crescente erosão da palavra dita e escrita. Afinal em que é que acreditamos? E depois terminava escrevendo que, se calhar, até seria positiva toda esta tempestade de incertezas e valores, e que nos iria permitir conseguir ver, com maior clareza, porque nos obrigaria a termos que, por nós, mastigar essa tão procurada “verdade”. Mesmo que no final dessa viagem cheguemos à conclusão de que o copo não estava meio vazio, mas meio cheio. Mas tudo isso já foi mais do que falado, mais do que escrito. Mas percebi que, provavelmente, mais interessante seria escrever a minha receita de arroz de polvo para 30, ou sobre uma das publicidades que o Tomás, tão bem, expressava. E é aqui que saio: não vou falar sobre o estado da comunicação social ou da política do nosso país, ou sobre até onde podemos ir naquilo que escrevemos, dizemos, fazemos. Deixo apenas a ideia de que, por vezes, perdemos tempo com coisas que tão pouco tempo nosso merecem ter. Uma frase de um filme, de um livro, de uma pessoa na fila da mercearia, ou algo que nos disseram e que estava esquecido, pode merecer muito mais a nossa atenção, a nossa cabeça, a nossa discussão. Recentemente reli numa crónica de crítica literária uma evocação a uma frase de Eleanor Roosevelt: “Grandes mentes discutem ideais, mentes medianas discutem eventos, mentes pequenas discutem pessoas.”

Miguel Ferro Meneses