Ao Domicílio…

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São cada vez mais frequentes as ofertas disto e daquilo e  do outro ao domicílio. A criatividade para inventar negócios e serviços cresce paralelamente às necessidades das pessoas em arranjar dinheiro para governar as suas vidas. Parece-me bem!  Quando em 1998 vim habitar o Parque das Nações, ocorreu-me na altura criar um negócio familiar em que distribuía, num cesto de vime enfeitado a preceito, pão fresco e, influenciada pela minha experiência londrina, uma garrafa de leite mais o jornal do dia. O negócio não avançou por preguiça. Nada mais! Está hoje mais do que provado, passados 14 anos, que tinha pernas para andar. Mas não andou…
Ora, estava eu há dias em casa a recuperar de uma intervenção cirúrgica quando, ao final da tarde,  ouço tocar à porta. Não do prédio. De casa mesmo. E das duas, uma, pensei: ou é um vizinho a dizer que o meu gato se atirou da janela novamente ou o carteiro, apanhando a porta aberta, resolveu subir e aventurar-se prédio acima. Mas nem era a hora de vinda do carteiro. E quem tocava agora à minha porta só tocara uma vez…
Dirigi-me à entrada, intrigada, perguntando:

– Quem é?
– Sou o senhor que entrega pão fresco…
– Pão fresco? Não sei de nada…
– Sim, fazemos entrega de pão fresco ao domicílio…
– Mas como é que o senhor entrou?
– Já temos clientes neste prédio e aproveitei para vir divulgar os nossos serviços…
Enquanto este interessante diálogo decorria, eu espreitava pelo óculo e deparei-me com um senhor de cabelos brancos e ar ternurento que me disse:
– Não tenha medo de abrir,  minha senhora… Eu tenho medo é que me façam mal a mim…

Perante estas palavras, apercebi-me da estupidez do meu excesso de zelo e abri a porta. Posso dizer que estivemos um bom bocado à conversa, nós os dois. A cada nova frase do diálogo, surgia um novo serviço ao domicílio que me era oferecido. Começou pelo pão fresco e estendeu-se ao pequeno-almoço, às refeições, à comida para o cão ou o gato, até chegar aos serviços de limpeza e afins. Não tive coragem de dizer ao simpático senhor que  não, eu não queria pão ao domicílio, que não, eu não queria que me limpassem a casa, que não, eu não queria que me trouxessem o jantar… Faltou-me sobretudo a coragem para lhe explicar que, embora considerasse o serviço útil para alguns lares, no meu o que eu precisava que me entregassem ao domicílio, em caixa fechada, seria o fim da troika juntamente com a reativação dos subsídios que me roubaram e, se possível, uma boa garrafa de vinho tinto a acompanhar!

Carmo Miranda Machado